“Os movimentos titilantes dos comboios
enchem-nos as veias de desejos.”
Guillaume Apollinaire in Les Onze Mille Verges
‘De Cabo a Cabo’ teve por objectivo unir os pontos mais norte da Europa e o mais sul de África, numa viagem em busca das afinidades e multiplicidades dos povos, das suas culturas, dos seus locais, das suas crenças e esperanças, das suas singularidades e de como o homem é um ser ‘pacífico e cooperativo’, como dizia o professor Berger a Paul Theroux durante a sua Viagem Por África.
O comboio é uma paixão. Mas é também a génese de crimes literários, romances e lembranças da nossa memória colectiva. Ainda se acena à sua passagem. Ainda é veículo de proximidade, de saudades encurtadas, de partidas e regressos… de viagens épicas e sentimentais.
As viagens de comboio estão imbuídas de uma nostalgia própria. Inexplicável. Conferem sentido à própria viagem. Fá-la valer por si mesma. Daí que tenha recorrido, sempre que me foi possível, ao comboio para me deslocar.
Sentir das vidas que por ele passam, comungando dessas singularidades dos homens.
Sou uma espécie de agorafóbico por afinidade. Não gosto de cidades grandes, de multidões, de turismo de massas. Gosto da aldeia onde posso ser convidado a entrar em casa de alguém. Do apelo para um chá de menta. Da descoberta das pessoas mais do que do museu ou do palácio.
Nesta viagem procurei ir ao encontro de alguns desses locais menos visitados, recorrendo sempre que foi possível ao conceito CouchSurfing para me hospedar e melhor me inteirar da realidade que me envolve.
O mundo é seguro por muito que nos vendam o contrario.
África é recorrentemente referida como lugar de pobreza, de conflitos étnicos, de doença… mas foi à procura da África ‘cooperativa’ do professor Berger que parti. De África como um lugar de esperança e de futuro. Parti à descoberta de um Médio Oriente onde os conflitos são mais políticos que religiosos, testemunhando a convivência pacifica irreligiosidade das suas comunidades. De uma Europa distinta mas comunitária.
Foram sete meses. Uma pequena mochila foi tudo o que carreguei comigo durante esses dias para completar os mais de 25000 quilómetros dessa jornada, percorrendo vinte países e atravessando três continentes.
Viajar é um vício. Tenho desejo e necessidade de conhecer novos locais.
A felicidade encontro-a a cada quilómetro palmilhado. Em cada amizade que nasce. Em cada compartimento de comboio, em cada estação. Na tenda montada com vista sobre o rio ou as montanhas. Em cada trilho. Em cada partida e em cada regresso… é por isso que parto.
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