05 maio, 2012

"Dr. Livingstone, I presume?"


Chego à Zâmbia, uma semana após a conquista da primeira Taça das Confederações Africanas de futebol da sua história, e os ecos de festejo ainda ressoam pelas ruas de Lusaka, onde se podem encontrar vendedores de fotografias desse épico embate frente à Costa do Marfim de Drogba e companhia, e onde se lê nos jornais, que prostitutas ofereceram serviços gratuitos em celebração de tamanho triunfo… no autocarro que me leva a Livingstone, assisto à reposição do jogo, que mesmo assim não parece elevar sobremaneira a moral desta nação que tem a mais baixa esperança media de vida de todo o continente – a rondar os 45 anos.
Todo o caminho é feito através de um verde luxuriante, lembrando que 42% do país é área protegida. A chuva – como aconteceu todo o tempo que aqui estive – marca presença assídua nem que seja por um breve período de tempo, recordando a nossa posição geográfica e anunciando a chegada da época das chuvas que arrefecem estes dias quentes e húmidos, neste cenário tropical.

As Cataratas Vitória são um dos mais belos postais de África e muito da minha ‘flexão’ a oeste – nesta rota ‘norte-sul’ que bem poderia ter seguido a direito por Moçambique – a elas se deve, bem como à ponte rodo-ferroviária que as percorre – ponte fronteiriça com o vizinho Zimbabué sobre o rio Zambeze – presente desde sempre no meu imaginário ferroviário.
 A ponte fazia parte do auspicioso projecto de construção de uma ligação ferroviária ininterrupta entre a Cidade do Cabo e o Cairo que (infelizmente!) nunca se chegou a materializar, mas foi a sua construção em 1904 que trouxe a Livingstone a prosperidade que hoje aufere, depois de ter herdado o nome do primeiro europeu a ter o privilégio de contemplar as suas cataratas – o missionário e explorador escocês, David Livingstone.
As cataratas em si, são uma espécie de organismo vivo e em constante transformação devido ao desabamento de secções do leito do rio, causados pela força das águas, como é explicado na breve exposição à entrada para as mesmas.
Não tendo sido o caso, imagino todo aquele turbilhão de água que se espalha pelo ar como ‘chuva fraca’ que se transforma em aguaceiro à medida que nos aproximamos da linha da frente, como o melhor remédio numa manhã de ressaca. Arco-íris múltiplos criados por um mar de água que se abate sobre nós ao longo de todo o percurso como um verdadeiro chuveiro, e que se intensifica em Março com a chegada da época das chuvas.
Uma das estórias que se ouve por aqui, é que a subida do caudal do rio é de tal forma repentino e elevado, que muitas vezes os animais – mesmo os de grande porte como elefantes ou hipopótamos – são apanhados de surpresa e não conseguem evitar ser levados pela corrente, despenhando-se de um altura de mais de 120 metros…

Livingstone é definitivamente o princípio do fim. O ponto em que deixo de sentir estar em viagem, para mais parecer – como todo o desconforto inerente… – que estou de ferias… O hostel onde me encontro está repleto de ocidentais que vêm em busca de aventura e diversão – muitos deles apenas de passagem – vindos da não muito distante África do Sul ou mais perto ainda, da Namíbia (outro dos destinos ‘radicais’ muito procurados por estes dias).
Seja como for, nem todos estão aqui com os mesmos propósitos. Steven é holandês e encontra-se em trabalho junto das comunidades locais, ajudando a criar os alicerces para um desenvolvimento local sustentável. Além disso, é também um apaixonado pelas viagens e a sua fácil comunicação e a partilha de opiniões torna-nos quase uma referência mútua no que às viagens diz respeito.
Steven confessa-me ter um projecto para uma viagem de bicicleta entre a Holanda e o Nepal para levar óculos de sol a uma comunidade nos Himalaias que – viu num documentário – sofre com a exposição a elevados níveis de radiação solar devido à altitude, o que leva em muitos casos, à cegueira. Steven pretende conseguir o apoio de fabricantes de óculos de sol que, por cada quilómetro percorrido, lhe ofereça um par de óculos para que depois os possa doar. Um projecto incrível e inspirador!..
Mas Steven é também um aficionado dos caminhos-de-ferro. Num desses dias, combinamos visitar juntos o museu ferroviário local e dirigimo-nos para lá a pé através da linha. Na estação há movimento de comboios. Locomotivas avançam e recuam para formar uma composição de mercadorias e depois de alguns pedidos, temos autorização para subir à cabine do maquinista. Parecemos duas crianças num parque de diversões! Pendurados sobre o nariz da locomotiva ou conversando com o maquinista que nos confessa que as condições de trabalho eram melhores quando a companhia pertencia ao estado, vamos juntando vagões de mercadorias num vai e vem que mais parece uma espécie de videojogo.
A noite cai quando finalmente deixamos a nossa ‘feira popular’ e a visita ao museu perdeu-se com o nosso atraso, restando apenas voltar ao hostel com a sensação de uma tarde bem passada.

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