Serão precisos 3 dias para fazer de comboio o percurso entre Portugal e a Suécia passando por algumas das estações que me proponho visitar.
Depois da primeira noite a bordo do Sud-Express chego a Lille, mas não parece haver forma de pernoitar na estação. São onze e meia da noite e este é o último comboio a dar entrada na gare. Daqui seguirei para Antuérpia num comboio que parte por volta das 6 e meia. Não sendo possível esperar aqui – ao que parece encerra à meia-noite e ninguém pode ficar dentro – procuro uma esquadra da polícia mas a mais próxima está igualmente encerrada. Pelo caminho cruzo a entrada de um hotel e apesar de não estar na disposição de pagar 76€ por meia dúzia de horas de estadia, ficar na rua também não é opção. Explico a situação, falo da minha viagem e peço para ficar apenas no hall... Não pode ser!.. Rogo um pouco mais, faço um ‘choradinho’ e o amável do recepcionista encaminha-me para o 1º andar onde tenho uma sala com sofás de couro e uma casa de banho à minha espera… que bela maneira de começar!
Em Estocolmo estará à minha espera o Nuno, mas antes mesmo de lá chegar, passo a última noite em trânsito numa das camas do nocturno Berlim-Malmö, num compartimento com uma 5 nacionalidades diferentes.
O Nuno é um antigo colega de faculdade que veio para a Suécia à 6 meses à procura de trabalho. Juntou 3 entrevistas e partiu. Hoje continua à procura porque a barreira linguística é um problema sério para quem se quer integrar na vida da cidade. É importante falar sueco. Já conseguiu alguns trabalhos temporários mas continua na expectativa de arranjar um contracto permanente.
Neste momento mora num complexo de residências universitárias onde, segundo consta, todas as terças-feiras tem lugar uma estranha tradição; por volta das 10 da noite, todos os moradores surgem à varanda e durante um minuto, todos gritam…
Depois de uma noite bem dormida e de um almoço condizente, o Nuno oferece-se para me mostrar a cidade. Ao longo do caminho vai contando cada pormenor daquilo que estamos a ver, revelando um conhecimento extraordinário da história da cidade para quem apenas aqui se encontra há relativamente pouco tempo…
O Nuno fala-me da estátua de uma actriz, no canto do Teatro Real de Drama, onde as pessoas no Inverno insistem em tocar por aparentemente ela ser aquecida por dentro; fala-me de um conjunto de runas (8 ao que parece) espalhadas pela cidade e que se encontram encrostadas em algumas habitações, pedras essas que remontam à formação da cidade e com motivos aparentemente vikings. Subimos a alguns pontos altos onde foi possível ter uma visão absolutamente fantástica sobre a cidade, os seus edifícios de cores terra quentes e telhados negros, o Báltico que a banha em quase toda a sua extensão e todos os barcos que nele navegam. Ao longo de todo o percurso, fiquei com uma ideia daquilo que é Estocolmo; uma cidade jovem, vibrante, cosmopolita, boémia e cheia de vida. Por toda a cidade há parques com imensa gente; pic-nics entre amigos, pessoas que simplesmente aproveitam os últimos dias de sol antes da chegada do Inverno ou jogando qualquer coisa… e imensas esplanadas! Os suecos vivem muito o seu verão – não fosse o Inverno ser tão longo e rigoroso – e aproveitam cada raio de sol como se fosse o ultimo, daí não ser de admirar ver todas essas esplanadas repletas de gente ao final da tarde, jantando e bebericando qualquer coisa, especialmente junto à agua.
Desmistifiquei também a ideia de que os suecos são algo frios e pouco expansivos. Pela forma como se cumprimentam, não poderia estar mais em desacordo.
Na Suécia não há beijos ou apertos de mão. O aperto de mão é apenas para o desconhecido, porque depois, os suecos cumprimentam-se e despedem-se com calorosos abraços.
O meu próximo destino é Narvik, na Noruega. Serão 19 horas de viagem por linhas que durante a 2ª Guerra Mundial, abasteceram de ferro – proveniente das minas de Kiruna, no norte da Suécia – os navios alemães ancorados no porto norueguês.
Em Narvik ficarei em casa do Jim.
O Jim há muito que está no CouchSurfing e já recebeu imensos hóspedes, das mais díspares nacionalidades (ficou fascinado pela recente visita de um casal iraniano) e ‘surfou’ em outros tantos. Visitou 153 países – Coreia do Norte e Butão são alguns deles – e não parece querer ficar por aqui. Tem amigos nos quatro cantos do mundo, mas fala-me em especial de um que reside no Afeganistão e com quem se corresponde há vários anos, mesmo antes da invasão russa.
Com um pequeno receptor de rádio, o Jim conseguia captar, uma vez por semana, um programa em inglês da rádio de Cabul. Num desses programas, o locutor de serviço fornece o contacto da rádio e o Jim aproveita a oportunidade para solicitar uma cassete com música tradicional afegã. A amizade nasce e hoje é o local e o amigo que mais gostaria de visitar.
Sou recebido com bolo gelado, bolachas e café. Falo-lhe do meu fascínio pela 2ª Guerra Mundial e o Jim aprontou-se para me mostrar alguns dos locais mais simbólicos de Narvik no que a esse tema diz respeito. Conversamos imenso sobre o tema e o Jim revela-me algumas curiosidades da guerra na Noruega.
Durante as nossas deambulações, fico tocado ao visitar junto a uma igreja, um memorial referente a uma família judia daqui levada para os campos de concentração de Auschwitz. Toda a família foi deportada, mas dela fazia parte Idar Israel Fisher, uma criança – que não teria 10 anos! – membro da mesma turma de escola da mãe de Jim. Ao regressarmos a casa, o Jim mostra-me a sua fotografia num retrato de conjunto, poucas semanas antes da sua captura.
Mas não só de memórias de guerra foi feita a minha presença em Narvik.
O Jim leva-me a conhecer a sua mãe. A sua casa tem vista para o mar onde ao que parece é possível avistar baleias, e eu juraria ter vislumbrado uma no seu caminho para mar aberto… apesar da distância, certo era não se tratar de um peixe.
A estadia em Narvik esgota-se e é altura de partir para Alta.
Esta noite ficarei no Opportune, o barco com que Rune – o meu anfitrião do CS para esta noite – fez a sua primeira circum-navegação durante 3 anos.
- És vegetariano?
- Não! – Respondo.
- Ainda bem! Então para o jantar temos rena.
E foi mais ou menos assim que começou a minha curta estadia em Alta.
Com o Rune estava Marcus. Um alemão – igualmente membro do CS – que chegou a estas paragens com o mesmo intuito que eu; visitar o Cabo Norte.
Depois de algumas compras no supermercado, somos levados para o seu barco. Está ancorado na marina de Alta desde Maio, quando regressou da circum-navegação. Possui uma pequena instalação sanitária, uma sala, uma pequena cozinha e duas cabines.
Não tardou muito até que o aroma da carne se espalhasse pelo barco. Enquanto aguardamos, a conversa torna-se animada ao falarmos de viagens. O Rune mostra-me inclusive vídeos da sua chegada e estadia na Madeira. O jantar é servido; rena com cogumelos e natas e puré de batata, com um syrah australiano para acompanhar o repasto. Estava verdadeiramente com fome…
Mas ficarei apenas uma noite. Durmo na sala ao sabor do vento que agita o convés, numa experiência fascinante.
boa, tas com a sorte wue geralmente protege os audazes :) pedro (on the road)
ResponderEliminarQue experiência, realmente fascinante, te está a acontecer! Curte todos os momentos (até os menos bons). Boa sorte. Fil
ResponderEliminarUm beijão enorme da prima Raquel! Beijos e diverte-te muito.
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