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15 março, 2012

A Estação do Sr. Abeba


Durante a curta estadia em Adis, resolvo fazer uma visita à estação de caminhos-de-ferro – um edifício belo, de traços coloniais e amarelo baço – e fico à conversa com três dos seus funcionários. Apesar de há mais de dois anos não haver qualquer serviço de passageiros ou qualquer actividade ferroviária, os funcionários continuam a dirigir-se diariamente para os seus postos de trabalho, ainda que não haja nada mais que fazer do que esperar o ordenado no final do mês.
O senhor Abeba – chefe da estação – um homem simpático e bem-disposto, conta-me um pouco da história da companhia; a linha foi inaugurada em 1917 contando a sua construção com capital francês, tendo sido criada a ‘Compagnie Impériale du Chemin de Fer Franco-Éthiopien’, o que justifica o emprego do francês em todo o layout das estações, neste país que nunca foi colonizado. Nos anos 50, aquando da visita de Elizabeth II à Etiópia, Selassie recebeu de presente da rainha uma luxuosa composição presidencial, provida de ar condicionado, algo completamente inovador para a época;
- Foi o único país africano que a rainha visitou! Saiu daqui, esteve três horas em Nairobi e voo de regresso a Londres – conta Abeba com orgulho por entre gargalhadas e insinuações de um eventual caso amoroso entre a rainha e o imperador Etíope, que terá posteriormente viajado para Inglaterra cerca de 15 vezes, diz-me…
Recentemente os comboios deixaram de circular por profundas deficiências na linha. Da União Europeia surgiu um compromisso de ajuda, mas em dois anos, com todas as exigências de democracia e atrasos nas obras, os chineses tomaram o seu lugar e em menos de um ano construíram cerca de 300Km de linha – ainda que Abeba reconheça serem de qualidade duvidosa – a contrastar com os cinco deixados pelos europeus.
Antes de me despedir, o senhor Abeba – percebendo a minha paixão pelo universo ferroviário – leva-me a visitar o seu escritório; um mini museu ferroviário, repleto de fotografias da inauguração da linha e de pequenos presentes que vai recebendo de outros entusiastas um pouco por todo o mundo, e como lembrança de despedida, oferece-me antigos bilhetes dos comboios que em tempos por aqui circulavam.

06 março, 2012

Timkat em Aksum

Depois de quatro dias de caminhada nas Simien Mountains, regresso à aldeia de Debark – no sopé da montanha – para me encontrar com o funcionário do centro de acolhimento a visitantes e que me havia prometido estadia em sua casa para quando regressasse. Aagniche, seu amigo e guia de montanha, leva-me ao quarto e promete encontrar-me um camião ou conseguir um bilhete no autocarro de amanhã para Aksum, que regra geral, já vem cheio desde Gonder.
O quarto é uma pequena habitação numa espécie de condomínio, com uma casa de banho comum, que não é mais que um buraco coberto com troncos de madeira na qual deixaram uma pequena abertura. Não há chuveiro e a única forma de tomar banho é utilizando uma grande bacia metálica, o que me faz lembrar os westerns dos anos 80.
Volto a encontrar Aagniche na manhã seguinte e após algumas tentativas frustradas de conseguir um camião que me leve a Aksum, consegue convencer o revisor do autocarro a vender-me um bilhete e pelo preço normal – algo muito difícil de conseguir, como infelizmente venho a comprovar!
À chegada a Shire – enquanto procuro por uma ligação a Aksum – reencontro Ralf, um Irlandês a viver em Londres, que todos os anos escolhe um único país para viajar nos primeiros dois meses do ano, e com quem me havia cruzado em Debark no dia anterior.
Ralf é de um sentido de humor incrível! No final de cada refeição dizia satisfeito ao funcionário de serviço; ‘quem me dera que a minha mulher cozinhasse assim! Ela é a mulher mais bonita do mundo e estamos juntos há 18 anos, mas na primeira semana tive de lhe dizer: - por favor, não cozinhes mais!’
Chegamos a Aksum na véspera do Timkat (Epifania), as celebrações do baptismo de Jesus e a segunda maior festividade do calendário da Igreja Ortodoxa Etíope depois do Natal – a que chamam Leddet e que aqui ocorre entre 6 e 7 de Janeiro.
No que respeita ao calendário, a Etiópia é na verdade um universo à parte, possuindo o seu próprio calendário e sistema de hora, com uma diferença de 8 meses e 8 dias para o tradicional calendário gregoriano. O Ano Novo, por exemplo, celebra-se a 11 de Setembro… Têm13 meses num ano – todos com 30 dias e um último apenas com 5 (ou 6 de 4 em 4 anos) – e no que toca a horas; às nossas 7 da manhã são 1 da manhã e às nossas 19 é 1 da noite, tendo esta contagem que ver com o momento em que o sol nasce e se põe.
O único momento em que a Arca é apresentada em público é durante o Timkat. Por estes dias as ruas enchem-se de gente em cânticos e orações, numa cortejo colorido e animado, e que alguém no posto de turismo chegou a descrever como parecido com um Carnaval.
Homens de ar solene esperam alinhados em frente à igreja a chegado do ‘alto patriarca’ enquanto a procissão religiosa se organiza. A bandeira da Etiópia lidera uma comitiva de homens de hábitos vermelhos, defendidos por uma espécie de guarda-sol de cor e ornamentos idênticos. Cornetas ecoam no ar e uma multidão agitasse para ver a passagem da Arca. Mulheres de manto branco, jovens de uniforme púrpura e amarelo, tambores e altifalantes, cantam e dançam num frenesim quase de transe pelas ruas da cidade em direcção a um dos mosteiros, onde uma piscina improvisada se encheu para a bênção do dia seguinte.
Nessa manhã, a Arca é trazida até junto à água – completamente barrenta – onde uma multidão aguarda em redor e assim que esta é benzida, todos saltam para dentro da piscina, espalhando água por quantos se encontram em volta e enchendo garrafas que levam para casa e vão partilhando pelo caminho.
No meio de tanta euforia, um dos jovens que havia saltado para dentro da piscina acaba por falecer afogado e no dia seguinte, muitos são aqueles que procuram em vão resgatar o corpo ou esperar que este acabe por vir à superfície…
No entanto, Aksum é um lugar tranquilo e verdadeiramente agradável e depois das celebrações do Timkat, tudo parece voltar à normalidade. A sua avenida principal está repleta de pequenos cafés onde se joga pool – aparentemente um dos ‘desportos nacionais’ a par dos matraquilhos e do pingue-pongue – bares de sumo natural de frutos, lojas e cervejarias decoradas com as cores da respectiva companhia cervejeira.
Naquela que parece ser a praça central da cidade, debaixo de uma enorme e frondosa figueira, um mercado de cestos tradicionais e coloridos tem lugar, e na esplanada de um dos cafés que a circundam, debaixo do alpendre onde costureiros sentados às suas máquinas e engraxadores de sapatos se arruam, contemplo o passar de burros e camelos, e o ritmo calmo com que tudo tem lugar.