Depois de 2 meses, já sinto saudades de uma boleia!
Para fazer os 40Km que separam Simitli de Bansko – na Bulgária – resolvo voltar a esticar o polegar. Na verdade, creio que o espírito da viagem está precisamente nesses pequenos momentos de conversa que troco com quem me ‘apanha’ no caminho.
Desta vez é Iuri e Yugoslav, dois recém empresários que se deslocam a Bansko em prospecção de mercado. Depois de anos a trabalhar para uma empresa de instalação de saunas e sistemas de hidromassagem, Yugoslav aposta agora no seu próprio negocio. É engenheiro e com a companhia de Iuri nas vendas, espera conseguir ter o sucesso necessário para manter o negócio de pé.
Quando param o carro em frente a edifícios em construção e revelo a minha ocupação, tenho por momentos a sensação de voltar às ‘visitas à obra’ – algo que fazia com grande prazer antes de partir e do qual tenho confessas saudades.
Nesta estância de Inverno que recebe habitualmente turistas russos, ingleses e alemães, a originalidade dos edifícios é pouca e não fosse ter a certeza de onde estou, apostaria que me encontrava algures na Suiça…
Pelo caminho, a típica paisagem de montanha com rebanhos de ovelhas que pastam sob o olhar atento do pastor e do seu cão, insiste em fazer-nos companhia. É interessante constatar como este quadro parece acompanhar-me. Desde a Noruega que as cores são as mesmas, como se o Outono viajasse para sul à mesma velocidade que eu.
Chego finalmente a Plovdiv. O taxista de serviço parece conhecer isto tão bem quanto eu pelo que andamos um bom bocado à procura do hostel… uma vez mais – fruto da época baixa – tenho o hostel completamente só para mim.
Mas vou ficar umas três noites, e na manhã seguinte chega Thomas, um belga de 20 anos a estudar em Istambul que aproveitou o feriado do Kurban Bayrami na Turquia – a celebração que marca a altura da peregrinação dos muçulmanos a Meca e que é assinalada com o sacrifício de um cordeiro – para uma pequena visita à Bulgária.
Ficamos um pouco à conversa e conto-lhe que tenciono ir para Istambul nos próximos dias. Thomas oferece-se de imediato para me alojar no apartamento que divide com mais 3 amigos e para onde regressa exactamente no dia em que conto chegar, utilizando para isso igualmente o mesmo comboio.
Thomas dirige-se para os mosteiros a sul de Plovdiv enquanto eu me faço ao caminho para a Turquia. Antes de Istambul tenciono parar em Edirne, uma pequena cidade na confluência das fronteiras búlgara e grega e que por isso mesmo respira uma áurea completamente ocidental e descontraída.
Ao entardecer, sento-me no muro em frente à mesquita para um desenho rápido. Dois miúdos sentam-se ao meu lado e não tardam a procurar algo para me oferecer; bolachas e pastilha elástica e não há como recusar… A noite vai caindo rapidamente. As luzes da mesquita iluminam os minaretes altos e as cúpulas e semi-cúpulas desta enorme construção. Para completar o cenário, a chamada para a oração ecoa por toda a cidade…
Ao chegar a Istambul e ainda na plataforma de embarque, encontro Thomas e juntos dirigimo-nos para sua casa. O eléctrico percorre toda a zona turística de Istambul, cruzando a ponte Galata em direcção ao Golden Horn e os primeiros vislumbres desta cidade cosmopolita e vibrante inundam-me o espírito.
Ainda é manhã, e o pequeno-almoço aqui é um prato de sopa de lentilhas regado com umas gotas de limão e acompanhado por Ayran, aparentemente a bebida de eleição dos turcos e que não é mais do que iogurte misturado com água e um pouco de sal.
Antes de chegarmos a casa, Thomas quer mostrar-me o bairro curdo e cigano, braço dado com o edifício onde mora.
O contraste não poderia ser maior! Há uma avenida que desce desde a Taksim - uma das mais emblemáticas praças de Istambul - até à ponte Galata; de um lado uma cidade de lojas, embaixadas e edifícios de aspecto consistente e do outro, um bairro decadente, com prédios incendiados, onde um canhão de água da polícia está constantemente estacionado e onde as pessoas parecem viver em profunda miséria
Thomas vive com mais três amigos, todos de procedências distintas; Mathias veio de França e ao que parece tem a fama de ser um bon vivant… seja como for só o conhecerei no ultimo dia uma vez que se encontra em viagem.
Irene é italiana. Está em Istambul ao abrigo do programa Erasmus depois de ter feito o mesmo em Londres. Estuda Relações Internacionais mas não tem ambições diplomáticas. Por outro lado é uma apaixonada por arte e línguas; por todo o apartamento, tem espalhado traduções do inglês para árabe e turco, duas línguas que se encontra actualmente a estudar.
Xay, por seu lado, veio do sul do Paquistão para completar uma pós-graduação. É professora e a mais velha dos residentes no prédio, deixando-a com um sentimento de deslocada apesar de todo o seu sentido de humor e sarcasmo que nos faz rir durante horas. Xay, como todo o paquistanês, fala Urdu mas o inglês é quase a sua língua materna. Pertence à casta Mogol, a mesma do imperador que mandou erigir o Taj Mahal…
Pouco após a nossa chegada, Thomas apressa-se a fazer chá. Irene revela-me que ele é um consumidor compulsivo e durante os dias que passo em sua casa, chá é uma constante a todo o momento. Para completar, Thomas mostra-se um fantástico anfitrião, procurando sempre dar-me a conhecer os diversos paladares da cozinha turca, especialmente os da sobremesa.
Não houve noite que não terminasse com o sabor de uma Baklava e de um copo de chá. Uma espécie de culto que passava por comprar a deliciosa sobremesa no pasteleiro mesmo à porta de casa, e que mantinha a sua loja aberta até altas horas da noite…
Aos poucos vou conhecendo melhor Thomas. Todos os dias de manhã sai para correr de forma a preparar a próxima competição. Por mais de uma vez foi campeão belga de corta-mato na sua categoria e foi precisamente aquando da participação no campeonato europeu realizado em Istambul, que se apaixonou pela cidade e a resolveu trocar por Gant.
Thomas estuda história. Por duas vezes que tento visitar Haia Sofia mas sem sucesso e para remediar, Thomas faz-me uma ‘visita virtual’ ao interior do mais icónico dos edifícios de Istambul, revelando um conhecimento profundo da sua história, significado e representação.
Durante 6 dias deambulo pela cidade deixando-me impressionar pela sua atmosfera; pelos pescadores que enchem por completo a ponte Galata durante todas as horas do dia e que retiram das suas linhas, 3 ou 4 minúsculos peixes de uma só vez… pelos barcos que cruzam o Bósforo a toda a hora e pelo por do sol do alto do terraço do hotel junto à torre Galata. Pela azafama dos bazares e pelos inúmeros minaretes apontados ao céu e que sacodem pombos de cada vez que o muezzin chama para a oração.
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