Wawa não é mais que um pequeno conjunto de casas perdidas na margem Este do Nilo.
Depois de deixarmos a fronteira, eu e Franz – o austríaco que comigo viajou no ferry desde Assuão – seguimos à procura do Templo de Soleb, situado na margem oposta deste minúsculo aglomerado de casas construídas sobre a areia e onde miúdos de pé descalço e roupa manchada de tanta brincadeira, correm ao nosso encontro pedindo por canetas, e eu fico impressionado com a simplicidade com que uma simples caneta pode deixar estes miúdos felizes, e sinto-me agradecido por estar aqui.
São elas mesmo que nos conduzem até à lukanda local – um tipo de acomodação simples, que muitas vezes não passam de um colchão numa simples cama de ferro, mas porventura, o único tipo de serviço que os sudaneses conseguem pagar.
A noite cai tranquila. Não há restaurantes, lojas de conveniência ou o que quer que seja onde possamos comprar comida, mas os nosso anfitriões parecem ter adivinhado a nossa chegada e a nossa fome, e pouco tempo depois vemo-los chegar, carregando sacos de pão e lentilhas com que nos deliciamos à ténue luz da lua que se acendeu sobre o pátio aberto para as estrelas, deste hotel no meio do nada.
A manhã seguinte desperta na quietude deste quintal à beira rio, povoado por homens montando burros e mulheres que mal se distinguem por entre o verde de um jardim de legumes e palmeiras.
O Sudão é tudo aquilo que as notícias não contam! Um lugar seguro, belo e sem dúvida, o país com as pessoas mais afectuosas que encontrei até agora! Pessoas de trato fácil, que nos tomam como iguais – não como turistas endinheirados! – que nos guiam pelas ruas quando precisamos de ir a algum sitio ou que correm ao nosso encontro se nos esquecemos de alguma coisa no seu café ou restaurante; que nos dão boleia para onde queremos ir mesmo que esse não seja o seu destino; pessoas que me oferecem uma corrida de táxi dizendo que sou convidado; que me oferecem tremoços quando os tento comprar; que pagam o autocarro quando explico que quero seguir à boleia e que se param no caminho fazem questão de oferecer um chá.
A paisagem de desertos, oásis e povoações de mercados coloridos é absolutamente deslumbrante! Além disso o Sudão tem mais pirâmides que o Egipto, ainda que mais pequenas e em pior estado de conservação. Karima e Neru são dois dos locais onde é possível encontrar estas pirâmides Núbias e ao contrário do Egipto, estas não estão cercadas por muros altos ou qualquer vedação, ainda que se tenha de pagar para as ver, mesmo que isso seja possível da estrada… a grande maioria foi completamente lapidada por exploradores sem escrúpulos e saqueadores que acreditavam haver ouro no topo de cada pirâmide. Ainda assim, a experiência de caminhar por entre este sólidos ancestrais – que mais parecem castelos de areia feitos por crianças na praia e onde o quotidiano habitual não sofreu qualquer perturbação turística ou especulativa – nada fica a dever ao Cairo.
Em Nuri por exemplo, fico com a certeza de que se o camelo é o animal do deserto, o burro é o animal do oásis. Carroças puxadas por estes animais circulam por todo o lado e apanhar boleia numa delas faz de nós verdadeiras atracções para as pessoas locais que riem à nossa passagem.
O único inconveniente do Sudão é mesmo a burocracia. De cada vez que chegamos a uma nova cidade para pernoitar, é necessário ir à esquadra da polícia local para um registo e, em todos os check-points de estrada, mostrar a ‘permissão de viagem’ que aparentemente deveríamos ter em cópia para deixar com a polícia. Mas mesmo aí, as pessoas são prestáveis e simpáticas, procurando sempre ajudar, como aconteceu num desses check-points de estrada – quando já parecia ser impossível conseguir uma boleia – onde a polícia fez parar um camião, explicando o que pretendíamos e para onde nos dirigíamos.
Já sozinho, a última dessas boleias leva-me até Kassala. Um lugar simplesmente atordoante!
Com mais de 400 mil habitantes, é uma das maiores cidades do Sudão e ponto de encontro de todas as tribos da Núbia. Palco decorado na perfeição pelas montanhas de Taka que a rodeiam e que no meu imaginário é um retrato de África. Como se todo um continente se encontrasse aqui.
A proximidade com a Eritreia faz destas ruas um enorme souk a céu aberto, onde as personagens mais desconcertantes se cruzam; homens de espada; indivíduos de roupas andrajosas; tribos que se caracterizam por andar constantemente com um pente pendurado no cabelo ou mulheres de enormes brincos ao nariz provenientes da Eritreia, de trajes coloridos ou debruados a um amarelo forte e mãos pintadas, formam um mosaico estonteante de cor e exotismo, que vendedores de fruta, vegetais e frutos secos ajudam a compor.
Ainda que sob um calor abrasador, Kassala é o sítio ideal para terminar a visita ao Sudão deixando-nos perder e pelas suas ruas agitadas, parando para um café picante da Eritreia num dos seus inúmeros cafés, ou espreitando por entre os edifícios e portas entreabertas, onde sem querer se descobre um cinema improvisado, onde uma pequena multidão assiste à matiné de Domingo.
Como seria possivel tratarem-no como turista endinheirado? Os estrangeiros avaliam-se pelo aspecto, nestas paragens...pelos pertences com que viajam e pela maneira como abordam os locais. de acordo com as premissas da sua viagem no seu todo, seria de todo impossivel confundi-lo com um turista endinheirado...:)
ResponderEliminar