Olho
repetidamente a cada estação, o emaranhado de fios coloridos que compõem o
novelo dos transportes públicos de Berlim. Até Unter den Linden não há muito que enganar, mas este enleado de
cores, conserva-me sempre alerta.
Os
degraus que trazem à superfície imergem na Praça Paris, nas costas das Portas
de Brandemburgo, onde a deusa Irene nos encara de frente – a deusa grega da
paz, montada na sua quadriga, puxada por quatro cavalos e segurando a cruz de
ferro com a águia prussiana.
As
Portas de Brandemburgo são o ‘único remanescente de uma série de outras
entradas de Berlim’. Entre as suas colunas dóricas, os cinco vãos centrais
constituíam as entradas da cidade, sendo que a do meio estava exclusivamente
reservada à comitiva real.
A
quadriga foi instalada apenas dois anos após a abertura das portas, mas por lá
permaneceu pouco tempo, uma vez que Napoleão fez questão de a levar para Paris
em 1806 como forma de simbolizar o domínio francês, regressado a Berlim apenas
em 1814 após a guerra da libertação.
Depois
da Segunda Guerra Mundial, as portas readquirem o seu papel original,
transformando-se em ponto de passagem entre os sectores britânico e soviético,
que voltam a retirar a quadriga do cimo das portas, devolvendo-a ao seu lugar
apenas em 1958 com a orientação actual, uma vez que inicialmente galopava em
direcção a Tiergarten…
Após
quase 30 anos de tráfego interrompido devido à construção do Muro de Berlim, na
noite de 9 de Novembro de 1989, é por elas que se dão os primeiros passos rumo
à unificação, e ‘hoje, as portas que um dia separam Berlim e que foram
atravessadas em desfile por tropas napoleónicas, revolucionárias e nazis, são o
símbolo da prosperidade e unificação alemã’.
Presto
homenagem à história e cruzo as portas numa das entradas do povo.
Olhando à
direita, o Reichstag recorda-me
sempre um velho postal com a fotografia do edifício em escombros e a cúpula completamente
destruída após a guerra. Hoje, está cá para reivindicar o seu lugar e a sua importância na silhueta da cidade.
Foi aqui que
o Bundestag se reuniu pela primeira
vez após a reunificação em 1990 e por aqui tem permanecido após a transferência
da capital de Bona para Berlim.
A sua nova cúpula
é um símbolo da reconstrução e da relevância do edifício. Um elemento singular,
capaz de captar as águas da chuva para aproveitamento do edifício. Com um jogo
de espelhos que ilumina a sala parlamentar e com uma ‘vela’ que roda em torno
desta coluna espelhada para regular a luminosidade no interior. Uma cúpula de
onde se obtém uma vista assombrosa sobre toda a cidade.
Descendo em
direcção a Postdamer Platz, o Memorial aos Judeus Mortos da Europa fica um
quarteirão abaixo. Os seus 2711 blocos de betão de alturas variáveis – assim
dispostos numa trama como um ‘campo ondulado de pedras’ ao longo de quase 20
mil metros quadrados – visam segundo o autor, o arquitecto Peter Eisenman: ‘produzir
intranquilidade. Um clima de confusão. Toda a escultura ajuda a representar um
sistema supostamente ordenado, que perdeu o contacto com a razão humana’.
É de facto
impossível ficar indiferente a esta teia. A esta micro cidade de quarteirões
perfeitos onde nos perdemos facilmente. A este labirinto de sensações onde sombras
afiadas se agigantam. A este jogo do ‘gato e do rato’. De luz e ocaso.
Sob as suas fundações, estão guardados os nomes de todas as vítimas judias conhecidas do holocausto.
Sob as suas fundações, estão guardados os nomes de todas as vítimas judias conhecidas do holocausto.
Prosseguindo
para sul, Postdamer Platz oferece o primeiro vislumbre de restos do Muro, por
entre tubagens de água e gás coloridas que
serpenteiam a praça.
Pouco depois
fica a Topografia do Terror.
Todo o medo
por que Berlim terá passado, parece encontrar aqui uma recordação sinistra. Há restos
do Muro, ruinas daquilo que foi o quartel-general da Gestapo e das SS, celas de
prisioneiros e um sem número de memórias espalhadas em cartazes, fotografias e
histórias hediondas.
Desde os
primórdios do regime nazi aos acontecimentos que levaram à sua ascensão ao
poder e ao seu reinado de terror, tudo é aqui contado de forma esclarecida e
lucida.
Prosseguindo
pela Niederkirchnerstraße – uma das artérias que dividia a cidade em tempos do
Muro – chega-se ao Checkpoint Charlie, a mítica fronteira entre os sectores
soviético e americano.
Checkpoint
Charlie é para muitos uma desilusão.
Para lá dos falsos soldados fardados para a fotografia, pouco mais há que suscite o interesse de quem por aqui passa… talvez porque já não haja tanques apontados de ambos os lados, ameaçando aquecer uma longa guerra fria – como aconteceu em Outubro de 1961, depois de uma disputa sobre se soldados soviéticos haviam sido autorizados a examinar os documentos de um diplomata americano, que viajava ao sector oriental para assistir à ópera.
Para lá dos falsos soldados fardados para a fotografia, pouco mais há que suscite o interesse de quem por aqui passa… talvez porque já não haja tanques apontados de ambos os lados, ameaçando aquecer uma longa guerra fria – como aconteceu em Outubro de 1961, depois de uma disputa sobre se soldados soviéticos haviam sido autorizados a examinar os documentos de um diplomata americano, que viajava ao sector oriental para assistir à ópera.
Um pouco
mais adiante fica o memorial a Peter Fechter – o jovem atingido a tiro por
soldados soviéticos quando tentava fugir para o lado ocidental, deixado a
esvair-se em sangue sob a apatia de ambos os lados (os soldados americanos
temiam provocar os seus opositores caso entrevissem).
Toda a
cidade de Berlim é um depósito de história. E o mais incrível é que nada disto
se passou assim há tanto tempo…
Berlim é uma
cidade em constante mutação. Reergue-se. As diferenças que é possível encontrar
num espaço de poucos anos é imensa.
Uma cidade
verde, vibrante, jovem e cosmopolita… uma cidade apaixonante!
Exatamente, Berlim é uma cidade que se "reergue".
ResponderEliminarAdorei lei o teu post sobre esta maravilhosa cidade que transpira história.
Abraço
Sérgio
http://www.osmeustrilhos.pt