11 junho, 2012

O Último Abraço


Jose, de feições latinas, vestia uma t-shirt azul grená. Carregava uma enorme mochila e foi sentar-se duas filas atrás de mim. Quando finalmente em Livingstone descemos do autocarro e estabelecemos o primeiro contacto verbal, confirmei a sua origem espanhola, mais precisamente de Barcelona.
Havíamo-nos alojado no mesmo hostel. Jose encontrava-se em viagem sensivelmente ao mesmo tempo que eu, perdendo-se no entanto apenas por estes países do sul de África e durante aqueles dias, debatia-se sobre que caminho deveria seguir depois de chegar à Cidade do Cabo. O seu desejo era rumar a casa subindo a costa atlântica de África, mas as dificuldades do caminho faziam-no questionar se não seria mais sensato seguir antes para o sudoeste asiático, onde de resto se encontra de momento.
Passamos uma semana inteira por Livingstone. Luís, um instrutor português de mergulho, também se junta a nós. Cozinhamos todos os dias;
- Em seis meses, esta é a semana em que comi melhor! – Dizia Jose enquanto o perfume dos nossos tachos invadiam a cozinha e despertavam a curiosidade dos outros hóspedes.
Jose é uma pessoa divertida e bem-humorada, e a empatia gerou-se com grande facilidade. Quando o deixei por terras da Zâmbia, prometemos que nos havíamos de reencontrar no Cabo para a minha despedida, depois das três semanas que iria passar com a irmã e dois amigos – um deles feito no caminho – na Namíbia.

Os 230Km que faltam para o Cabo Agulhas vão ficar por fazer por conta de burocracias no rent-a-car. No entanto, a noite da despedida faz esquecer qualquer réstia de frustração e transforma-se na metáfora perfeita daquilo que foi a viagem.
A Jose – acabado de chegar na companhia de Ari (uma das amigas) – junta-se Daniel – num intervalo das suas aulas de voo – e que traz também consigo mais amigos, sendo que um deles é uma arquitecta portuguesa a trabalhar no Cabo para um projecto de um estádio na Mauritânia. Também Imraan – que havia conhecido no Cairo meses antes no final da sua viagem de bicicleta desde o Cabo, precisamente – se junta a nós com mais dois amigos. Todos juntos à mesa de jantar, vendo o jogo do Benfica frente ao Chelsea e envergando a camisola encarnada oferecido pelos amigos antes do inicio da viagem, julgo ter reunido em volta daquele tacho de massa que confeccionei para todos, toda uma família; a dos afectos… a dos que estão longe e a dos que fiz pelo caminho.

A manhã acordou igual a tantas outras. O vazio que sinto é simplesmente o de não saber o que sentir e o de sentir tudo ao mesmo tempo.
Imraan aguarda-me do outro lado da porta para me levar até ao aeroporto e troco o ultimo abraço com Jose com a promessa renovada de nos voltarmos a encontrar.
O peito estreita-se. Não reconheço nada do que sinto. É como se não partisse. Como se nem sequer tivesse chegado…
À porta das partidas, o ultimo abraço a Imraan e um até breve, que o mundo é pequeno para quem dele nada conhece a não ser os afectos de quem nele habita, por mais desconhecido que seja o caminho…

Não raras foram as vezes em que dei comigo – especialmente à noite, no final de um dia de viagem – a sorrir sozinho da felicidade que era estar ali…
Numa dessas noites, mesmo depois de intermináveis horas de espera por um barco que nem sequer sabia se poderia partir, endireitava-me dentro do saco-cama numa fila de cadeiras do ferry para Girne e sorria…
Todos os contratempos até ali tinham sido compensados pela companhia de Tom e Matt, os dois sul-africanos a caminho de casa em bicicleta, e por Andrés, o austríaco de 40 anos em busca de sol para as suas férias de verão, mesmo que estivéssemos em Novembro…
A felicidade é de facto um sentimento estranho! Invade-me vezes sem conta, apanhando-me sempre de surpresa, tal e qual como quem se deixa enganar sempre pela mesma ‘partida'...
E eu sorrio… de cada vez que ‘tenho o sol na minha face’... e o vento e a chuva, e o calor e o frio… e a compensação de estar em movimento… de ser o espectador de um mundo de afectos e abraços, e de despedidas que se dão com encostos de testa (como aconteceu na Turquia)…
E de cada vez que sorria, mais compensado me sentia por estar ali…
Na verdade, ‘nada faz mais sentido do que fazer aquilo que nos faz felizes’…

O mundo é feito de abraços, de sorrisos e de lágrimas, e esta viagem não foram fronteiras. Foram encontros!

1 comentário:

  1. "A felicidade é de facto um sentimento estranho!" que frase bem colocada. Vou guardar!

    Em alguns momentos na nossa vida despertamos um estado de regozijo interior sem qualquer explicação aparente, simplesmente, sente-se.

    Obrigada por partilhar sentimentos e continuação de um bom trabalho.

    ResponderEliminar