Cruzamos
o Douro.
Há
dias, quando fizemos a apresentação na escola, o professor Brás – beirão a
leccionar em Moncorvo há quatro anos – falava-nos das diferenças que encontrou entre
as duas margens;
- Os
beirões são muito espontâneos. Já os transmontanos são mais desconfiados, mas
assim que criam empatia são deveras generosos.
Sempre
achei que este tipo de diferenças faz pouco sentido num país tão pequeno como o
nosso. Como as ‘guerras’ entre norte e sul, ou entre portuenses e lisboetas. Continuo
a achar que somos tão parecidos como estas encostas de vinhedo que se estendem até
Mêda. Como esta geometria que me encanta, como um caderno pautado onde se
escreve a história destas gentes.
Aquilo
que nos diferencia, será talvez o que diferencia a arquitectura que vemos mudar.
São notórias as diferenças no aparelho das fachadas, na própria dimensão da
pedra que as compõe, na configuração dos edifícios ou no surgimento de arcadas.
A riqueza de uma arquitectura popular que sempre se soube adequar ao meio, e às
suas necessidades e recursos para criar a sua identidade, tal como a de quem a
habita.
A semana
acordou debaixo de um nevoeiro cerrado. Teias de orvalho revelam armadilhas de
aranha no caminho, e o troar das horas ecoa na penumbra…
Estamos
em Mêda. A ideia para hoje é ir a Freixo de Numão e voltar, e assim sendo não
há necessidade de o fazer a pé duas vezes. Já muito perto de Touça, é o padre
Ponciano que pára para nos dar boleia. À chegada oferece-nos o café e logo de
seguida convida-nos para o almoço, a ser servido no lar de dia, e no final
deste, ainda nos leva a visitar os restauros da igreja; Escondidos por velhas
tábuas, descobrem-se retábulos em folha de ouro em perfeito estado de
conservação, e por detrás de uma espessa camada de pó – cuidadosamente pincelada
– revela-se o esplendor destes altares barrocos, agora desmontados sobre a
pedra românica que envolve a igreja.
Voltamos
à estrada. O caminho encontra-se povoado de amêndoas que paramos para colher,
abrindo-as com a ajuda de uma pedrada. A ‘saga’ da fruta continua agora com frutos
secos, romãs, mais figos e diospiros.
Deixamos
Mêda com destino a Trancoso. A estrada parece abandonada. Como se tivéssemos
caído num sonho, num ‘país das maravilhas’ onde não há ninguém. Só o canto dos
pássaros e o sopro do vento.
Pequenas
hortas ladeiam casas de pedra e telhados indistintos. O peixeiro anuncia a sua
chegada a Pai Penela entre buzinadelas e música, fazendo lembrar velhos
vendedores de arcas. Mulheres voltam dos campos com baldes de castanhas, que
recolhem com um martelo em madeira que mais parece uma pequena enxada.
Depois
de Moreira de Rei, Trancoso insinua-se por fim no alto da colina. As suas
muralhas – anteriores à nacionalidade – lembram cavaleiros e cruzados, e as
suas portas em arco transportam-me à infância de castelos de Lego e Playmobile.
Na
manhã seguinte – sob a ameaça da chuva – calcorreamos a suas ruas e subimos ao
alto da torre de menagem – onde ‘no tempo do domínio árabe, se guardaria o
tesouro do califado e o resultado das pilhagens’… vista daqui, a Estrela parece
incendiada naquele manto de nuvens espessas que dela se parecem soltar.
Apetecia
ficar. Mas com previsão de chuva para os próximos dias, temos de aproveitar
todas as suas tréguas para arrepiar caminho. Ainda assim, é quando resolvemos partir
que ela decide volta em penosos aguaceiros.
Paramos
para almoçar em Torres; uma sopa sob o abrigo de uma paragem de autocarro. O gás
termina sem que a tenhamos conseguido ferver, mas já nesta altura estamos na
companhia de uma família local que nos interpela sobre se não somos nós, ‘os
irmãos que deram na televisão e que andam a percorrer o país a pé’, e que assim
sendo nos oferecem almoço em sua casa.
Dos cinco
filhos da D. Pombalina, apenas Agostinha está em Portugal. Mas também ela já se
aventurou por terras da Suíça durante 12 anos, e só um problema de saúde a fez
regressar. Somos um país de emigrantes. Um país que vemos despido de gente e
necessitado de tanto e que mesmo assim obriga as pessoas a partir em busca de
um futuro melhor lá fora… como uma fatalidade…
Descemos
aos calcanhares da serra
O
castelo de Linhares surge no horizonte por entre a neblina à entrada da
Carrapichana. Velhos azulejos publicitários de Nitrato do Chile e Mabor
General decoram as paredes. Um arco-íris enfeita o caminho que se faz entre
pequenos aguaceiros e ‘abertas’ de sol…
Os bombeiros
de Celorico da Beira fizeram o favor de nos levar as mochilas até Gouveia, e são
os mesmos bombeiros que, depois da nossa paragem para almoço, ao verem-nos
ainda na estrada numa altura em que a chuva se intensificava, resolvem parar;
- Ainda
aí vão?! Não querem boleia?
Acabamos
por chegar a Gouveia mais cedo que o previsto.
- Quem nunca se aventurou, nem perdeu
nem ganhou – tagarelava
connosco a empregada da limpeza do quartel, vendo a chuva cair e prometer ficar
por uns dias, inquietando a eminente subida à Torre.
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