28 outubro, 2012

Das Margens do Douro às Encostas da Estrela


Cruzamos o Douro.
Há dias, quando fizemos a apresentação na escola, o professor Brás – beirão a leccionar em Moncorvo há quatro anos – falava-nos das diferenças que encontrou entre as duas margens;
- Os beirões são muito espontâneos. Já os transmontanos são mais desconfiados, mas assim que criam empatia são deveras generosos.
Sempre achei que este tipo de diferenças faz pouco sentido num país tão pequeno como o nosso. Como as ‘guerras’ entre norte e sul, ou entre portuenses e lisboetas. Continuo a achar que somos tão parecidos como estas encostas de vinhedo que se estendem até Mêda. Como esta geometria que me encanta, como um caderno pautado onde se escreve a história destas gentes.
Aquilo que nos diferencia, será talvez o que diferencia a arquitectura que vemos mudar. São notórias as diferenças no aparelho das fachadas, na própria dimensão da pedra que as compõe, na configuração dos edifícios ou no surgimento de arcadas. A riqueza de uma arquitectura popular que sempre se soube adequar ao meio, e às suas necessidades e recursos para criar a sua identidade, tal como a de quem a habita.

A semana acordou debaixo de um nevoeiro cerrado. Teias de orvalho revelam armadilhas de aranha no caminho, e o troar das horas ecoa na penumbra…
Estamos em Mêda. A ideia para hoje é ir a Freixo de Numão e voltar, e assim sendo não há necessidade de o fazer a pé duas vezes. Já muito perto de Touça, é o padre Ponciano que pára para nos dar boleia. À chegada oferece-nos o café e logo de seguida convida-nos para o almoço, a ser servido no lar de dia, e no final deste, ainda nos leva a visitar os restauros da igreja; Escondidos por velhas tábuas, descobrem-se retábulos em folha de ouro em perfeito estado de conservação, e por detrás de uma espessa camada de pó – cuidadosamente pincelada – revela-se o esplendor destes altares barrocos, agora desmontados sobre a pedra românica que envolve a igreja.
Voltamos à estrada. O caminho encontra-se povoado de amêndoas que paramos para colher, abrindo-as com a ajuda de uma pedrada. A ‘saga’ da fruta continua agora com frutos secos, romãs, mais figos e diospiros.

Deixamos Mêda com destino a Trancoso. A estrada parece abandonada. Como se tivéssemos caído num sonho, num ‘país das maravilhas’ onde não há ninguém. Só o canto dos pássaros e o sopro do vento.
Pequenas hortas ladeiam casas de pedra e telhados indistintos. O peixeiro anuncia a sua chegada a Pai Penela entre buzinadelas e música, fazendo lembrar velhos vendedores de arcas. Mulheres voltam dos campos com baldes de castanhas, que recolhem com um martelo em madeira que mais parece uma pequena enxada.

Depois de Moreira de Rei, Trancoso insinua-se por fim no alto da colina. As suas muralhas – anteriores à nacionalidade – lembram cavaleiros e cruzados, e as suas portas em arco transportam-me à infância de castelos de Lego e Playmobile.
Na manhã seguinte – sob a ameaça da chuva – calcorreamos a suas ruas e subimos ao alto da torre de menagem – onde ‘no tempo do domínio árabe, se guardaria o tesouro do califado e o resultado das pilhagens’… vista daqui, a Estrela parece incendiada naquele manto de nuvens espessas que dela se parecem soltar.
Apetecia ficar. Mas com previsão de chuva para os próximos dias, temos de aproveitar todas as suas tréguas para arrepiar caminho. Ainda assim, é quando resolvemos partir que ela decide volta em penosos aguaceiros.
Paramos para almoçar em Torres; uma sopa sob o abrigo de uma paragem de autocarro. O gás termina sem que a tenhamos conseguido ferver, mas já nesta altura estamos na companhia de uma família local que nos interpela sobre se não somos nós, ‘os irmãos que deram na televisão e que andam a percorrer o país a pé’, e que assim sendo nos oferecem almoço em sua casa.
Dos cinco filhos da D. Pombalina, apenas Agostinha está em Portugal. Mas também ela já se aventurou por terras da Suíça durante 12 anos, e só um problema de saúde a fez regressar. Somos um país de emigrantes. Um país que vemos despido de gente e necessitado de tanto e que mesmo assim obriga as pessoas a partir em busca de um futuro melhor lá fora… como uma fatalidade…

Descemos aos calcanhares da serra
O castelo de Linhares surge no horizonte por entre a neblina à entrada da Carrapichana. Velhos azulejos publicitários de Nitrato do Chile e Mabor General decoram as paredes. Um arco-íris enfeita o caminho que se faz entre pequenos aguaceiros e ‘abertas’ de sol…
Os bombeiros de Celorico da Beira fizeram o favor de nos levar as mochilas até Gouveia, e são os mesmos bombeiros que, depois da nossa paragem para almoço, ao verem-nos ainda na estrada numa altura em que a chuva se intensificava, resolvem parar;
- Ainda aí vão?! Não querem boleia?

Acabamos por chegar a Gouveia mais cedo que o previsto.
- Quem nunca se aventurou, nem perdeu nem ganhou – tagarelava connosco a empregada da limpeza do quartel, vendo a chuva cair e prometer ficar por uns dias, inquietando a eminente subida à Torre. 

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