07 outubro, 2012

Do Cávado ao Rabaçal


Deixamos Cabril às primeiras horas da manhã com a neblina tosca que paira sobre as águas do Cávado.
O destino de hoje é a pequena aldeia de São Fins, na margem do Rabagão, mas a distancia que acabamos por percorrer em poucas horas, levar-nos-á até Alturas do Barroso, num trajecto de mais de 30 quilómetros que nos coloca adiantados um dia e que assim permitirá um descanso maior no fim-de-semana.
As aldeias da nossa companhia – de videiras e latadas por onde perscrutamos ainda com uva – vão-se sucedendo mudas e caladas. O paradigma da desertificação do interior do país, é ser possível encontrar na mais inóspita e silenciosa das aldeias, uma matrícula estrangeira e uma arquitectura de mau gosto e persiana corrida…
 Descendo a Reigoso, o Sr. Manuel – presidente da junta de freguesia – homem de sorriso fácil nos seus olhos azuis à sombra do seu chapéu, volta do campo com a sua enxada. Ao saber da nossa caminhada ‘em busca de emprego’, diz que teria trabalho para nós, mas que aquela não era certamente ‘arma’ que gostássemos de usar…
São Fins fica já ali. Ainda é cedo e resolvemos seguir até Alturas do Barroso. O Sr. Manuel explica-nos um atalho, que como comprovaremos noutras ocasiões, é sempre penoso!.. parece que quanto mais curto, mais ingreme é o atalho…
À medida que subimos, a Barragem do Alto Rabagão à nossa esquerda perfila-se quase como a muralha de uma fortaleza das ‘terras altas’ dos livros de Tolkien. No cimo das colinas, gigantescas eólicas mais parecem ‘vira-ventos’ de criança em dia de romaria. A sua sombra projectada sobre os prados verdes são relógios perpétuos e hipnóticos.

À entrada da aldeia, ao final da tarde e já desgastados pela subida, ocorre-me o pensamento palerma de que afinal é possível chegar a pé às alturas…
Tomamos banho na primeira fonte que nos aparece depois da manta de retalhos que são os lameiros em volta da aldeia. Pastores recolhem o gado enquanto o Sr. Domingos, na calma dos seus 70, aguarda sentado ao sol do átrio da igreja que as suas vacas voltem por si à ‘corte’.
O Sr. Domingos é um homem conversador e um pouco exagerado! Em tempos a sua família tinha 450 ovelhas. No entanto, apenas couberam ao seu pai 32 aquando da partilha pelos 7 irmãos… o Sr. Domingos gosta de falar, ainda que já seja um pouco difícil de se fazer entender, e como nos confessa uma prima, já nem sempre saiba bem o que diz.

Faz frio em Alturas do Barroso! Não fosse isso teríamos dormido ao relento numa espécie de coreto em frente à igreja de traços românicos.
Montamos tenda ao largo da junta de freguesia e regressamos ao átrio da igreja na manhã seguinte para um pequeno-almoço solarengo. Quando nos preparávamos para partir, a Dona Luísa – que regressa do campo com um molhe de couves – convida-nos para um café em sua casa. Mas a sua casa é a ‘Casa do Ferrador’; o único restaurante da aldeia e lugar de culto para os convivas que a cada fim-de-semana ali acorrem a provar um tal de cozido…
A Dona Luísa oferece-nos café, pão e presunto, numa espécie de segundo pequeno-almoço. Leva-nos a conhecer a casa e explica-nos que confeccionam tudo à moda antiga, em tachos de cobre sobre a lareira e na frente da qual dispõem enchidos a fumar. A ‘Casa do Ferrador’ é a sua ocupação de fim-de-semana, sendo que no resto dos dias se ocupa inteiramente da lide do campo.

Descemos a Boticas e o primeiro currículo fica entregue na aldeia de Carvalhelhos. Segue-se Vidago e posteriormente Valpaços.
Este regresso à urbanidade deprime-me. Questiono-me sobre de que forma olharemos daqui a 30 ou 40 anos, para a nossa arquitectura ‘popular’ (não de autor) dos anos 80 e 90… Vale-me o cheiro a camarinhas na descida para Vidago e o vento de frente que me faz cantarolar; “wind in my hair I feel part of everywhere…”
À entrada da vila, cruzo o Tâmega e penitencio-me da minha ignorância; sabendo eu que a linha de caminho-de-ferro que servia este destino termal era a do Corgo, julgava eu que por aqui não passava o Tâmega nem seguia até Chaves…

Pouco depois de regressar da minha anterior viagem, o Sr. Dolores fez questão desde logo de me convidar para um jantar quando passasse perto de Vila Real. Chegados a Vidago, cumpre-se a promessa;
O Sr. Dolores vem acompanhado da Maria e do Rui, com quem habitualmente me visita na minha ocupação de fim-de-semana. Iremos jantar a Chaves aproveitando para inspeccionar um pouco do trajecto que faremos amanha e, mais tarde – sabendo da minha paixão pelos comboios – me levar a ver a estação do… Tâmega!.. que actualmente se encontra na posse de um particular, que a recuperou e faz ladear de uma locomotiva a vapor igualmente restaurada.
Este entusiasta dos caminhos-de-ferro procurou junto das entidades responsáveis, adquirir 20 quilómetros de linha, para fazer circular a sua locomotiva, mas tal foi-lhe negado. Ao que parece, não se faz nem se deixa fazer…
Na manha seguinte – tomando o pequeno-almoço na abandonada estação de Vidago – julgo ser possível aferir da falência de um povo, pela forma como trata o seu passado e a sua memória colectiva…

O parque de campismo de Valpaços fica a mais de 30 quilómetros. Chegar até lá tornará a etapa de hoje na mais longa até ao momento. Paramos vezes sem conta para apanhar uvas, amoras, maças, pêras e figos, fazendo-me crer que seria possível alimentar-me apenas desta fruta que se debruça sobre o caminho, até Faro.
Por estes lados ainda se vindima e é frequente ver passar carrinhas e tractores com enormes balseiros de uva e pequenos retalhos na encosta tratados por chapéus de aba larga entre fileiras de videira.

No dia seguinte, para lá de Valpaços – no vale do Tuela – julgo pressentir a chegada do verão sob o calor intenso deste sol de Outubro. Na parada de oliveiras em sentido e sob o cheiro que sempre julguei ser de alfarroba – e que me acusava de forma inconfundível e com eficiência a entrada no Algarve – acho estar já para lá do Tejo…

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