13 outubro, 2012

Terra Fria


O Sr. Morais tem cerca de 2000 oliveiras na freguesia de Mosteiró, lá no vale do Tuela por onde havíamos passado na sexta-feira anterior a caminho de Vilares.
Enquanto esperamos boleia para lá regressar e assim começar uma nova etapa a caminho de Macedo de Cavaleiros, o Sr. Morais passara por nós em sentido contrario. Fora comprar mais uns pés de oliveira para o seu gigantesco ‘quintal’ e nesse mesmo momento ficara com a ideia de que nos daria boleia quando voltasse para trás, tal é a dificuldade de conseguir fazer parar um carro por estes lados.
O Sr. Morais é um homem de alguma idade. Enquanto jovem trabalhou em França e em Espanha, amealhando o suficiente para se poder dedicar agora por inteiro às suas azeitonas e cerejas. Uma queda fá-lo andar de moletas mas isso não lhe retira a energia.
- Sempre dei boleia e nunca tive problemas ou me faltaram ao respeito! – Diz-nos ao parar. - Tenho uns afazeres ali em Torre Dona Chama, mas depois deixo-vos em Vilares.
O Sr. Morais faz questão de nos pagar uma bebida, antes de seguimos para Vilares e para a Petisqueira do Sr. David;
- Conheço bem! A sua esposa costuma trabalhar para mim na apanha da azeitona, e já que lá vão, diga-lhe que conto com ela este ano.

Já em Vilares, o Sr. David havia-nos prometido o ‘mata-bicho’ para esta segunda-feira, já que ali iriamos começar a nossa caminhada;
- Até liguei a máquina do café mais cedo! – Confessa-nos.
O ‘mata-bicho’ do Sr. David, é um prato de presunto e queijo acompanhado por pão e umas minis, que já nos deixa almoçados.
Em tempos, a sua Petisqueira servia cerca de 100 refeições diárias. Hoje não tira dez cafés… - Não fosse o que ganhei há 30 anos, hoje teria de fechar! – Revela.
Também aqui se percebem os efeitos da desertificação a que esta zona do país foi votada. Já na estrada, dias depois, demos por nós a descer para o Sabor em plena estrada nacional, num silêncio sepulcral, e a questionar-nos sobre a legitimidade de auto-estradas numa zona em que nem nas suas estradas de cariz mais local, têm movimento… é um país ao abandono…

Apesar do sol e do calor dos últimos dias, o outono reivindica a sua vez numa chuva de folhas secas sopradas tenuemente pelo vento sobre a estrada.
Os ocres, amarelos e vermelhos não tardarão a dar lugar a este verde primaveril e cada vez mais persistente. Ainda assim, há na planura da várzea por onde ocasionalmente passámos, a sensação de estar algures numa Toscana de ciprestes altos e campos de trigo florido…
Seguimos em direcção a Izeda.
Em Limãos é-nos indicado um atalho que, segundo nos dizem, passa uma ponte que cruza um riacho seco, mas onde em tempos já se foi possível afogar… como reza a história de um agricultor que vindo da feira no seu burro, ali terá caído e afogado à falta de socorro.
O atalho leva a Bagueixe. Nas suas ruelas estreitas deparamo-nos com algo inesperado; um ferrador como nunca havia visto, trata dos cascos de um macho (cruzamento de burro e cavalo) como julgava já não ser possível ver.
- Antigamente era o tratador que ia ao ferrador, agora é o ferrador que tem de vir à aldeia. – Explica o Sr. Orlando, que diz ter-nos visto na televisão e logo chama a sua esposa;
- Querem almoçar? Ou um café?
A amabilidade das pessoas parece não ter limites. Somos perfeitos estranhos a quem não receiam abrir a porta;
- Fazem-me lembrar os meus filhos que estão no estrangeiro. O mais novo na Noruega o outro partiu há dias para os Estados Unidos. Aqui não tinham futuro…
Uma bátega abate-se sobre o caminho e a esposa do Sr. Orlando diz que não seguiremos a pé. Izeda é já a sete quilómetros, e tendo o Sr. Orlando que lá ir – e não havendo povoações no entretanto – aceitamos a batota já com um saco de bolinhos caseiros na mochila.

Deixamos Izeda por estas ruas empedradas, onde um cheiro a vinho novo se impregna na calçada. No atalho que nos leva ao Sabor, é um perfume herbáceo indistinguível que me transporta para lá do mediterrâneo, para os souks de Marraquexe ou Fez.
O caminho para Vimioso é tortuoso, sendo preciso ultrapassar os vales do Sabor e do Maças, mas a recompensa é agradável. Vimioso parece-nos encantada neste final de tarde, com as ruas floridas e aprumadas do seu centro histórico.
Um sol que se põe sobranceiro ao monte e que se avista da traseira da igreja entre nuvens lanudas, distante e pesaroso, renova a sensação de estar a sul. Delicia-nos!

Deixamos Vimioso com destino ao ponto mais oriental do país. Paradela fica a uns 32 quilómetros de distância mas cumpridos os primeiros dez, somos ‘forçados’ à batota… o Sr. Afonso – com os seus 83 anos indecifráveis – encheu-se de pena ao ver-nos de mochila às costas e, sem que a pedíssemos, oferece-se para nos levar até ao cruzamento a dois quilómetros dali. Pouco depois revela;
- Paradela ainda é longe! Como me encontraram sem nada que fazer, vou deixar-vos a Ifanes…
A boleia de dois quilómetros transformou-se em 20, mas é compensadora; o Sr. Afonso foi professor do ensino básico no Porto durante 29 anos, mas possui uma serie de propriedades por aqui;
- É um pequeno Alentejo. – Diz-nos. Plantou castanheiros, amendoeiras e cerejeiras. - É uma terra rica. Aqui ninguém fala de crise apesar de não haver futuro para os jovens. – Confessa.
Ao longo de todo o caminho vai esclarecendo a paisagem, o nome dos rios ou a origem do mirandês; Revela que o castanheiro se dá melhor em terrenos mais elevados, mas que este ano não haverá boa castanha: - “Para haver bom ‘magosto’ é preciso chover em Agosto”... Explica que o rio que corre por algumas destas aldeias – como São Joanico – tinha tantas enguias que lhe chamavam de ‘Ribeiro Anguilleiro’ (do latim anguilla – enguia) mas que entretanto foi ‘promovido’ a rio Angueira e que as barragens acabaram com as enguias. Quanto ao mirandês, ficamos a saber que deve as suas influências ao português arcaico e ao leonês.

Eu que sou amante do sul – descobri nesta ‘Terra Fria’ de burros, sobreiros e granito; de rolos de palha e rebanhos de ovelhas a pastorear livremente; de pombais tradicionais brancos e em forma de ferradura, o mesmo sentimento de estar em casa.

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