O
Sr. Morais tem cerca de 2000 oliveiras na freguesia de Mosteiró, lá no vale do
Tuela por onde havíamos passado na sexta-feira anterior a caminho de Vilares.
Enquanto
esperamos boleia para lá regressar e assim começar uma nova etapa a caminho de
Macedo de Cavaleiros, o Sr. Morais passara por nós em sentido contrario. Fora
comprar mais uns pés de oliveira para o seu gigantesco ‘quintal’ e nesse mesmo
momento ficara com a ideia de que nos daria boleia quando voltasse para trás,
tal é a dificuldade de conseguir fazer parar um carro por estes lados.
O
Sr. Morais é um homem de alguma idade. Enquanto jovem trabalhou em França e em
Espanha, amealhando o suficiente para se poder dedicar agora por inteiro às
suas azeitonas e cerejas. Uma queda fá-lo andar de moletas mas isso não lhe
retira a energia.
-
Sempre dei boleia e nunca tive problemas ou me faltaram ao respeito! – Diz-nos
ao parar. - Tenho uns afazeres ali em Torre Dona Chama, mas depois deixo-vos em
Vilares.
O
Sr. Morais faz questão de nos pagar uma bebida, antes de seguimos para Vilares
e para a Petisqueira do Sr. David;
-
Conheço bem! A sua esposa costuma trabalhar para mim na apanha da azeitona, e
já que lá vão, diga-lhe que conto com ela este ano.
Já
em Vilares, o Sr. David havia-nos prometido o ‘mata-bicho’ para esta
segunda-feira, já que ali iriamos começar a nossa caminhada;
-
Até liguei a máquina do café mais cedo! – Confessa-nos.
O ‘mata-bicho’
do Sr. David, é um prato de presunto e queijo acompanhado por pão e umas minis,
que já nos deixa almoçados.
Em
tempos, a sua Petisqueira servia cerca de 100 refeições diárias. Hoje não tira
dez cafés… - Não fosse o que ganhei há 30 anos, hoje teria de fechar! – Revela.
Também
aqui se percebem os efeitos da desertificação a que esta zona do país foi
votada. Já na estrada, dias depois, demos por nós a descer para o Sabor em
plena estrada nacional, num silêncio sepulcral, e a questionar-nos sobre a
legitimidade de auto-estradas numa zona em que nem nas suas estradas de cariz
mais local, têm movimento… é um país ao abandono…
Apesar
do sol e do calor dos últimos dias, o outono reivindica a sua vez numa chuva de
folhas secas sopradas tenuemente pelo vento sobre a estrada.
Os
ocres, amarelos e vermelhos não tardarão a dar lugar a este verde primaveril e
cada vez mais persistente. Ainda assim, há na planura da várzea por onde
ocasionalmente passámos, a sensação de estar algures numa Toscana de ciprestes
altos e campos de trigo florido…
Seguimos
em direcção a Izeda.
Em
Limãos é-nos indicado um atalho que, segundo nos dizem, passa uma ponte que
cruza um riacho seco, mas onde em tempos já se foi possível afogar… como reza a
história de um agricultor que vindo da feira no seu burro, ali terá caído e
afogado à falta de socorro.
O atalho
leva a Bagueixe. Nas suas ruelas estreitas deparamo-nos com algo inesperado; um
ferrador como nunca havia visto, trata dos cascos de um macho (cruzamento de
burro e cavalo) como julgava já não ser possível ver.
-
Antigamente era o tratador que ia ao ferrador, agora é o ferrador que tem de
vir à aldeia. – Explica o Sr. Orlando, que diz ter-nos visto na televisão e
logo chama a sua esposa;
-
Querem almoçar? Ou um café?
A
amabilidade das pessoas parece não ter limites. Somos perfeitos estranhos a
quem não receiam abrir a porta;
-
Fazem-me lembrar os meus filhos que estão no estrangeiro. O mais novo na
Noruega o outro partiu há dias para os Estados Unidos. Aqui não tinham futuro…
Uma
bátega abate-se sobre o caminho e a esposa do Sr. Orlando diz que não seguiremos
a pé. Izeda é já a sete quilómetros, e tendo o Sr. Orlando que lá ir – e não
havendo povoações no entretanto – aceitamos a batota já com um saco de bolinhos
caseiros na mochila.
Deixamos
Izeda por estas ruas empedradas, onde um cheiro a vinho novo se impregna na
calçada. No atalho que nos leva ao Sabor, é um perfume herbáceo indistinguível que
me transporta para lá do mediterrâneo, para os souks de Marraquexe ou Fez.
O
caminho para Vimioso é tortuoso, sendo preciso ultrapassar os vales do Sabor e do
Maças, mas a recompensa é agradável. Vimioso parece-nos encantada neste final
de tarde, com as ruas floridas e aprumadas do seu centro histórico.
Um
sol que se põe sobranceiro ao monte e que se avista da traseira da igreja entre
nuvens lanudas, distante e pesaroso, renova a sensação de estar a sul.
Delicia-nos!
Deixamos
Vimioso com destino ao ponto mais oriental do país. Paradela fica a uns 32
quilómetros de distância mas cumpridos os primeiros dez, somos ‘forçados’ à
batota… o Sr. Afonso – com os seus 83 anos indecifráveis – encheu-se de pena ao
ver-nos de mochila às costas e, sem que a pedíssemos, oferece-se para nos levar
até ao cruzamento a dois quilómetros dali. Pouco depois revela;
-
Paradela ainda é longe! Como me encontraram sem nada que fazer, vou deixar-vos
a Ifanes…
A
boleia de dois quilómetros transformou-se em 20, mas é compensadora; o Sr.
Afonso foi professor do ensino básico no Porto durante 29 anos, mas possui uma
serie de propriedades por aqui;
- É
um pequeno Alentejo. – Diz-nos. Plantou castanheiros, amendoeiras e cerejeiras.
- É uma terra rica. Aqui ninguém fala de crise apesar de não haver futuro para
os jovens. – Confessa.
Ao
longo de todo o caminho vai esclarecendo a paisagem, o nome dos rios ou a
origem do mirandês; Revela que o castanheiro se dá melhor em terrenos mais
elevados, mas que este ano não haverá boa castanha: - “Para haver bom ‘magosto’ é preciso chover em Agosto”... Explica que
o rio que corre por algumas destas aldeias – como São Joanico – tinha tantas
enguias que lhe chamavam de ‘Ribeiro Anguilleiro’
(do latim anguilla – enguia) mas que
entretanto foi ‘promovido’ a rio Angueira e que as barragens acabaram com as
enguias. Quanto ao mirandês, ficamos a saber que deve as suas influências ao
português arcaico e ao leonês.
Eu que
sou amante do sul – descobri nesta ‘Terra Fria’ de burros, sobreiros e granito;
de rolos de palha e rebanhos de ovelhas a pastorear livremente; de pombais
tradicionais brancos e em forma de ferradura, o mesmo sentimento de estar em
casa.
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