24 dezembro, 2012

Oeste Atlântico


Deixamos a Benedita às primeiras horas da tarde daquele domingo solarengo.
A despedida ao Eliseu é emotiva. Enche-me a alma. Dá razão ao meu constante apelo à partida e ao encontro.

Rumamos ao Atlântico, contando chegar ao vértice Oeste da Europa lá para o final da semana.
As ruas empedradas de Óbidos guardam os primeiros passos da manhã. Óbidos tem um encanto particular, com as suas casas amuralhadas, caiadas pálidas, salpicadas de buganvílias e pétalas de múltiplas cores. Adoro o romantismo da vila. Do seu castelo sobranceiro e da languidez das vielas de sabor a ginja e chocolate.
Descemos em direcção à costa; Lourinhã, Santa Cruz, Ericeira, Sintra. A paisagem povoa-se de moinhos de vento circulares, embainhados de cor e boina negra no cocuruto; despidos de velas, onde já só resistem os alcatruzes que assobiavam ao sabor do vento, notificando o moleiro da velocidade do seu movimento.
Na Lourinhã tomo o gosto à única aguardente de origem controlada do país. Durante séculos, a aguardente da Lourinhã foi a escolha de eleição das melhores casas de vinho do porto para a produção dos seus vinhos licorosos. A sua excelente qualidade só encontra paralelo com as das regiões de Armagnac e Cognac – em França.
O calor de Novembro despe-nos em t-shirt e suor, sob o peso da mochila, mais pesada a cada passo.
O som do capador murmura à nossa passagem por Moledo.
Lanço o olhar como um periscópio sobre a paisagem que vai tropeçando para este mar champanhe, de areias peugadas por gaivotas na foz do Alcabrichel, de campos ventosos amparados pelo canavial e por pinheiros baixos e retorcidos sobre o caminho onde abancam vendedores de cebolas.

É numa acalmia rara de Novembro que chegamos à Ericeira. Da varanda do Joca e da Marta, o sol troca o azul desimpedido da tarde por outro não mais agitado do mar. Há algo de irresistível neste final de tarde… nas ruelas da vila que sempre acolheram os meus suspiros. No cheiro impregnado a peixe grelhado. No embalo das ondas… A Ericeira é de uma melancolia domingueira numa brisa de Setembro…
Por estes dias, descubro que a Ericeira é a primeira Reserva Europeia de Surf e a segunda do mundo, destacando-se pela “excelência das características naturais oferecidas para a prática desta modalidade desportiva.”
A faixa costeira entre as praias da Empa e São Lourenço é “um dos raros locais a nível mundial que reúne um elevado número de ondas de grande qualidade. Ao longo de 11Km de costa, são 22 ondas de diferentes características, que proporcionam a prática de Surf sob diferentes condições meteorológicas, suscitando níveis de exigência e graus de dificuldade díspares.”

Partimos em direcção ao Cabo da Roca.
Na Foz do Lizandro despedimo-nos do Joca e da Marta com a promessa de reencontro. Subimos a São João das Lampas e posteriormente a São Mamede de Janas. Admirando as suas igreja e ermida, recordo as aulas de História da Arquitectura e as palavras cativantes do professor Bonifácio que nos prendiam atentamente.
A ermida de Janas sobretudo, é um edifício fantástico, remontando a finais do século XVI ou XVII, de planta circular e alpendre exterior adossado a metade da capela – uma das marcas rurais de muitos templos da região de Sintra.
Anualmente – em meados de Agosto – a ermida recebe inúmeros visitantes que aqui se deslocam para a romaria em honra de São Mamede, onde se conduz gado em redor da templo, e no qual os seus donos depositam ex-votos acompanhados de oferendas agrícolas no interior.

Por fim o cabo!
De Almoçageme descemos à Praia da Adraga e metemos por caminhos indistintos em direcção ao farol. Já se avista a torre luminosa, mas o caminho faz-se descendo e subindo a falésia, permitindo descobrir os encantos da Praia da Ursa sem que no entanto nos poupe a perder o folgo à sua subida…
O vento é cortante e desagradável. Há autocarros a despejar turistas encasacados, fazendo o meu irmão em t-shirt, parecer um habitante da sibéria a desfrutar do verão. Os flashes, ao lado do marco que assinala o ponto mais ocidental da Europa, multiplicam-se em mesmo número que os arrepios de quem nele posa.

O frio não convida a grandes contemplações momentâneas.
Na ponta da Europa, o senhor Francisco – que veio expressamente do Seixal – aguarda-nos com um abraço. É um cidadão do mundo; viveu em vários pontos do globo e é um apaixonado por caminhadas e viagens. Acompanha a nossa jornada quase de início e havia-nos inclusive feito o convite para uma apresentação em Fornos de Algodres, de onde é natural. Além da boa conversa, traz-nos água e lanche, e leva-nos a Sintra, ao encontro do Martinho que nos receberá nesta noite de celebração.

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