O
meu Alentejo!..
Como
adoro a imensidão da planície!.. As suas curvas ténues, como as costas de uma
amante. O vento que lhes sopra e que me canta ameaçando com chuva… Gosto das
cores. Do verde carregado pelo sol e dos amarelos e ocres pousados sobre o
monte. Das aves brancas perseguindo o arado do tractor…
Gosto
da tasca. Dos homens que estendem o lenço sobre o balcão, e dele retiram pão, queijo
e carne fumada, que vão cortando com um pequeno canivete.
Gosto
das Janeiras do cantar alentejano –
ecoando da janela onde me deixo ficar a escutá-lo – recordando as noites frias
de infância, em que percorria pela mão da minha mãe as ruas da aldeia, fazendo
o mesmo na esperança de uns rebuçados…
A
manhã acordou sob ameaça de chuva, mas ao longe o céu limpo parece indicar o
caminho… Pássaros esvoaçam à minha passagem. Um manto, de um verde ‘mal
semeado’ pontuado de oliveiras, estende-se ondulante sobre a paisagem e eu
sinto-me levitar sobre ele.
O
caminho vai ficando para trás. A estrada serpenteia como um dragão chinês. É
como se me despedisse de uma vida… cada viagem é uma vida inteira!..
Há
um cheiro inconfundível a Algarve! Sempre pensei serem alfarrobas mas não são.
Não sei o que é! Só sei que não me deixa enganar. O olfacto é talvez o sentido
mais importante para a percepção de um lugar e da viagem…
Falta
pouco para o Malhão. A chuva resolve presentear-me nestes últimos quilómetros.
Uma chuva miudinha – constante e impertinente.
Lígia
aguarda-me no Centro Budista. Há muito que cultivo uma relação de proximidade
com a causa tibetana e a visita ao Centro Budista Tibetano do Malhão, é uma
oportunidade inédita de melhor conhecer essa realidade. Até há bem pouco tempo,
não sabia sequer da sua existência…
O
centro está ligado à Fundação Kangyur
Rinpoché – um mestre budista, que em meados do século XX se viu forçado a
fugir com a família do Tibete. Exilou-se na Índia, tendo demorado quatro anos a
atravessar os Himalaias, carregando consigo inúmeras relíquias que hoje se
encontram depositadas no Stupa do
Malhão. Foi ele quem indicou aos seus discípulos ocidentais em Darjeling, a sua
construção nestas paragens, bem como em outros locais da Europa.
O Stupa é uma espécie de altar budista.
Há
oito tipos de Stupa, cada um
representando um nível distinto do Buda até à iluminação. São como relicários.
No Malhão, estão depositados artefactos do século VIII; rolos de oração – que
só os mestres podem realizar e sob rigorosos preceitos, como o tipo de papel, o
uso do açafrão, etc. – pequenas estatuetas, a que chamam Tsai Tsai; entre muitas outras preciosidades. Na base são colocadas
as coisas más – tudo o que precisa de ser melhorado – e as relíquias mais
importantes no topo.
Para
atrair ‘boas energias’, deve circular-se várias vezes em seu redor, no sentido
dos ponteiros do relógio…
A
entrada no centro faz-se a par de um conjunto de bandeiras de oração. São cinco
cores, cada uma representando um elemento e estando associado a um ponto
cardeal. A sua disposição obedece a uma ordem, com o elemento mais suave primeiro, até ao mais bruto no fim.
Assim,
a bandeira azul é a primeira – representando o céu e o poente; a branca simboliza as nuvens e o centro; a vermelha, o fogo e o nascente;
a verde, o vento e a madeira e está associada ao norte; e por fim a amarela, que representa a terra e está associada
ao sul.
As
bandeiras são habitualmente mudadas por altura do ano novo tibetano, que regra
geral, coincide com o nosso carnaval.
Aqui
no Malhão vivem actualmente 11 pessoas. No entanto, é aguardada a chegada de
três monges que recentemente terminaram o seu retiro de cinco anos(!) no sul de
França. Passando assim o centro a fruir de vida monástica.
Lígia
convida-me a assistir à oração da noite;
-
Não vais é perceber nada! É em tibetano… – Fico empolgado!
Descalço-me
para entrar no pequeno templo. A
porta é baixa, forçando-nos a curvar como que em sinal de reverência. A sala é ampla
– uma construção antiga. Ainda se vislumbra o lugar da lareira. Há almofadas
pelo chão, um altar ao fundo com a estatueta de Buda, uma imagem do mestre Kangyur
Rinpoché, e uma estranha sensação de tranquilidade... Não somos mais de seis na
sala, mas o ambiente é fremente. O recitar dos mantras – a música e a vibração; as velas e o incenso; o chão
atapetado; a meia-luz que ilumina a sala e o candeeiro rotativo com orações
dão-me a sensação de estar algures nos Himalaias…
A estrada
do Malhão é uma varanda sobre o Atlântico.
Vejo
o Algarve do pico dos telhados, encimados pelas suas típicas chaminés.
Desço
a Loulé e sigo para Olhão, onde apanho o barco para a Ilha do Farol sob uma
chuva imutável e persistente. O ponto mais sul de Portugal é um lugar apinhado
de casas onde não há ruas… apenas caminhos estreitos que levam à praia. Tudo
aqui respira verão, mas nesta altura do ano é um monte de areia desabitado. Comigo
no barco, chegaram ainda assim alguns pescadores que se dirigem para o molhe.
Eu sigo para o farol e dou um pulo à praia em frente…
Termino
sozinho…
(Que
paz! Que felicidade!..)
No
silêncio da ilha deserta. Sob a chuva incansável…
Há
algo neste mar azul que nem azul é… nestas cores indistintas… no areal húmido e
despido da praia que o antecede… no farol nas minhas costas e na imensidão da
vista…
Sorrio…
feliz!
Termino
só, mas na companhia de todos quanto – uma vez mais – compuseram o mosaico
desta viagem.
“Nunca
se está sozinho quando se viaja sozinho”
Portugal
é lindo!
Portugal é efectivamente fantástico, um paraíso banhado pelo Oceano, largamente apreciado por turistas que adoram o país pela sua cultura, clima, gastronomia de norte a sul sem excepção e particularmente os vinhos únicos que são produzidos. Conseguem ver alegria onde nós vemos pura tristeza. Parabéns pelo artigo.
ResponderEliminarGreat blog! & great pics :)
ResponderEliminarÉ bom dar a conhecer aos portugueses que há um Templo budista tibetano e um Stupa no Malhão, Alentejo, ligado à Fundação Kangyur Rinpoché, que tem varios centros budistas na Europa, America e Asia. Os meus parabens pelo excelente artigo.
ResponderEliminarExcelente artigo. Grata por me trazer tão boas memórias! É realmente um lugar mágico e maravilhoso onde tomei refúgio no Verão de 2000 e onde tive a felicidade de receber Ensinamentos de eminentes Mestres Tibetanos e assistir à construção e consagração do Stupa. Bem haja! MCLF
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