05 novembro, 2013

APONTAMENTOS DE BERLIM


Olho repetidamente a cada estação, o emaranhado de fios coloridos que compõem o novelo dos transportes públicos de Berlim. Até Unter den Linden não há muito que enganar, mas este enleado de cores, conserva-me sempre alerta.
Os degraus que trazem à superfície imergem na Praça Paris, nas costas das Portas de Brandemburgo, onde a deusa Irene nos encara de frente – a deusa grega da paz, montada na sua quadriga, puxada por quatro cavalos e segurando a cruz de ferro com a águia prussiana.
As Portas de Brandemburgo são o ‘único remanescente de uma série de outras entradas de Berlim’. Entre as suas colunas dóricas, os cinco vãos centrais constituíam as entradas da cidade, sendo que a do meio estava exclusivamente reservada à comitiva real.
A quadriga foi instalada apenas dois anos após a abertura das portas, mas por lá permaneceu pouco tempo, uma vez que Napoleão fez questão de a levar para Paris em 1806 como forma de simbolizar o domínio francês, regressado a Berlim apenas em 1814 após a guerra da libertação.
Depois da Segunda Guerra Mundial, as portas readquirem o seu papel original, transformando-se em ponto de passagem entre os sectores britânico e soviético, que voltam a retirar a quadriga do cimo das portas, devolvendo-a ao seu lugar apenas em 1958 com a orientação actual, uma vez que inicialmente galopava em direcção a Tiergarten
Após quase 30 anos de tráfego interrompido devido à construção do Muro de Berlim, na noite de 9 de Novembro de 1989, é por elas que se dão os primeiros passos rumo à unificação, e ‘hoje, as portas que um dia separam Berlim e que foram atravessadas em desfile por tropas napoleónicas, revolucionárias e nazis, são o símbolo da prosperidade e unificação alemã’.


Presto homenagem à história e cruzo as portas numa das entradas do povo.
Olhando à direita, o Reichstag recorda-me sempre um velho postal com a fotografia do edifício em escombros e a cúpula completamente destruída após a guerra. Hoje, está cá para reivindicar o seu lugar e a sua importância na silhueta da cidade.
Foi aqui que o Bundestag se reuniu pela primeira vez após a reunificação em 1990 e por aqui tem permanecido após a transferência da capital de Bona para Berlim.
A sua nova cúpula é um símbolo da reconstrução e da relevância do edifício. Um elemento singular, capaz de captar as águas da chuva para aproveitamento do edifício. Com um jogo de espelhos que ilumina a sala parlamentar e com uma ‘vela’ que roda em torno desta coluna espelhada para regular a luminosidade no interior. Uma cúpula de onde se obtém uma vista assombrosa sobre toda a cidade.



Descendo em direcção a Postdamer Platz, o Memorial aos Judeus Mortos da Europa fica um quarteirão abaixo. Os seus 2711 blocos de betão de alturas variáveis – assim dispostos numa trama como um ‘campo ondulado de pedras’ ao longo de quase 20 mil metros quadrados – visam segundo o autor, o arquitecto Peter Eisenman: ‘produzir intranquilidade. Um clima de confusão. Toda a escultura ajuda a representar um sistema supostamente ordenado, que perdeu o contacto com a razão humana’.
É de facto impossível ficar indiferente a esta teia. A esta micro cidade de quarteirões perfeitos onde nos perdemos facilmente. A este labirinto de sensações onde sombras afiadas se agigantam. A este jogo do ‘gato e do rato’. De luz e ocaso. 
Sob as suas fundações, estão guardados os nomes de todas as vítimas judias conhecidas do holocausto.


 

Prosseguindo para sul, Postdamer Platz oferece o primeiro vislumbre de restos do Muro, por entre tubagens de água e gás coloridas que serpenteiam a praça.
Pouco depois fica a Topografia do Terror.  


Todo o medo por que Berlim terá passado, parece encontrar aqui uma recordação sinistra. Há restos do Muro, ruinas daquilo que foi o quartel-general da Gestapo e das SS, celas de prisioneiros e um sem número de memórias espalhadas em cartazes, fotografias e histórias hediondas.
Desde os primórdios do regime nazi aos acontecimentos que levaram à sua ascensão ao poder e ao seu reinado de terror, tudo é aqui contado de forma esclarecida e lucida.


Prosseguindo pela Niederkirchnerstraße – uma das artérias que dividia a cidade em tempos do Muro – chega-se ao Checkpoint Charlie, a mítica fronteira entre os sectores soviético e americano.
Checkpoint Charlie é para muitos uma desilusão.
Para lá dos falsos soldados fardados para a fotografia, pouco mais há que suscite o interesse de quem por aqui passa… talvez porque já não haja tanques apontados de ambos os lados, ameaçando aquecer uma longa guerra fria – como aconteceu em Outubro de 1961, depois de uma disputa sobre se soldados soviéticos haviam sido autorizados a examinar os documentos de um diplomata americano, que viajava ao sector oriental para assistir à ópera.
Um pouco mais adiante fica o memorial a Peter Fechter – o jovem atingido a tiro por soldados soviéticos quando tentava fugir para o lado ocidental, deixado a esvair-se em sangue sob a apatia de ambos os lados (os soldados americanos temiam provocar os seus opositores caso entrevissem). 

Toda a cidade de Berlim é um depósito de história. E o mais incrível é que nada disto se passou assim há tanto tempo…
Berlim é uma cidade em constante mutação. Reergue-se. As diferenças que é possível encontrar num espaço de poucos anos é imensa.
Uma cidade verde, vibrante, jovem e cosmopolita… uma cidade apaixonante!

1 comentário:

  1. Exatamente, Berlim é uma cidade que se "reergue".
    Adorei lei o teu post sobre esta maravilhosa cidade que transpira história.
    Abraço

    Sérgio
    http://www.osmeustrilhos.pt

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