06 novembro, 2011

De Tallinn a Gdansk em 15 dias...


Desembarco em Tallinn ao início da tarde. Foram duas hora e meia duma viagem que repito pela segunda vez. Hoje espero a visita de um amigo de infância que aproveitou as suas férias para me fazer companhia ao longo de duas semanas pelos países do Báltico, terminando em Gdansk, a cidade que por pouco nos escapou – 4 minutos! – quando visitamos a Polónia em 2005.
Não tendo conseguido qualquer ‘sofá’, fico pela primeira vez num hostel. Aos poucos vou percebendo que é mais fácil ser recebido por algum ‘CS’ em locais mais pequenos do que nas grandes cidades. Certamente porque aí as pessoas não estão constantemente a receber pedidos e se mostrem mais receptivas a novos hospedes.
Os hostels são no entanto locais interessantes para conhecer outros viajantes, muitos deles também em viagens de longa duração. Aqui no Dancing Eesti há quem vá fazer o transiberiano até Pequim e outros que já percorreram toda a Ásia. Seja como for a época alta já vai longe e poucos são os hóspedes com quem conversar.
Só há uma linha capaz de ligar por via ferroviária Tallin a Riga e mesmo assim é preciso trocar de comboio na fronteira. É precisamente isso que nos propomos fazer, mas antes disso combinamos uma paragem em Tartu para visitar a segunda maior cidade da Estónia e o mais importante pólo universitário do país.
Tom, o nosso anfitrião ‘CS’, veio da Letónia para estudar antropologia e mitologia. Diz que preferiu estudar cá por a universidade ser bem conceituada e melhor que qualquer outra no seu próprio país. Vive junto à universidade numa casa algo degradada que alugou por um preço igual ao que pagaria por um apartamento fora do centro. Prefere assim, diz-nos. Além disso foi fazendo obras na casa, com o senhorio a suportar o custo dos materiais. Sente-a um pouco como sendo sua e agora que está a duas semanas de terminar a sua estadia por aqui, conta-nos que é com alguma magoa que deixará a casa.
Tom faz um pouco de tudo. Além de investigação cientifica para a sua tese final – da qual já publicou partes em jornais e revistas da especialidade – faz critica de cinema para uma revista nacional, entre outros trabalhos relacionados com os seus interesses e gostos pessoais. E para comprovar os atributos que lhe são reconhecidos no seu perfil de ‘CS’, faz questão de nos mostrar e dar a provar os seus talentos culinários numa sopa de legumes absolutamente deliciosa!..
No último comboio antes da fronteira contamos o dinheiro. Não queremos que falte mas também não interessa sobrar. No dia anterior havia trocado algun Lats com o Tom para poder comprar os bilhetes no lado de lá da fronteira. Fiz mal as contas! E quando vemos o preço do bilhete até á fronteira, reparamos que nos falta 1 euro… não é muito mas não temos mesmo e agora só dinheiro letão. Explico à revisora que não tenho mais euros, mostro-lhe todas as moedas que tenho... Pisca-me o olho e dá-me um bilhete para duas paragens antes da fronteira e ainda recebo troco…
Chegados a Cesis somos recebidos por Bruno, um alemão que trabalha na instalação de câmaras fotográficas em aviões para fotos de reconhecimento aéreo. Quando se mudou para cá não conhecia ninguém e o rigor do Inverno fê-lo crer que não ficaria por mais um ano. Mas com a chegada do verão, conta-nos que os habitantes saem de suas casas dando nova vida a toda a cidade. Foi então que conheceu a sua namorada – de quem não foi capaz de se despedir – e assim aqui permanece.
Apesar de já ter viajado por uma série de países ao abrigo das suas competências profissionais, Bruno planeia embarcar também numa longa viagem. Na parede da sala tem afixado uma data: 01/11/14, que é quando espera ter terminado de pagar a casa e ter algum dinheiro de sobra para partir.
Bruno vive literalmente no meio da floresta. À entrada da sua pequena aldeia há um lago que mesmo com este tempo cinzento, convida a um mergulho. No entanto, Bruno diz-nos que o proprietário do terreno resolveu vedar a área e tornar aquele espaço apenas seu;
- Depois da saída dos Russos, toda a gente faz o que quer aqui na aldeia – diz-nos com alguma revolta!...
Apesar disso, conta-nos ser o tipo de aldeia onde toda a comunidade se inter ajuda e protege, e como pudemos comprovar, não é sequer necessário trancar a porta de casa ou do carro.
Depois de Riga, seguiu-se Nida (Lituânia), Malbork – já na Polónia – e por fim Gdansk, onde fomos recebidos por Inga e Marek, um casal de vegans que nos espera na estação e nos encaminha por fim para sua casa.
Inga e Marek não jantam habitualmente às quartas-feiras. É dia de ‘limpeza corporal’… no entanto, perante a nossa visita, Marek prepara pasta com tofu e cogumelos para o nosso jantar. Os cogumelos são enormes! Marek ‘amanha-os’ cuidadosamente removendo a parte fibrosa com uma pequena faca. Fico admirado só de o ver…
À mesa a conversa é sobre viagens; são ambos viajantes experientes tendo já percorrido toda a Europa e grande parte da Ásia. Habitualmente fazem duas viagens por ano, uma no Verão – geralmente à boleia – e outra no Inverno. Este ano percorreram os países da antiga União Soviética entre a China e o Mar Cáspio. Trouxeram frutos secos do Turquemenistão e brandy do Tajiquistão que somos convidados a provar. São bastante conhecedores da nossa geografia e viajaram por Portugal alguns anos atrás também à boleia. Para o próximo Inverno, planeiam ir ao Sudão, o que se revela um excelente tema de conversa ou não fosse esse um dos países por onde vou passar.
Acho sempre extraordinária a confiança que a maioria dos ‘CS’ deposita nos outros. Um dos primeiros procedimentos é geralmente a entrega da chave da casa, por forma a deixar os hospedes completamente á vontade para se movimentarem conforme quiserem. Com a Inga e o Marek a situação é idêntica; é-nos logo confiada a chave e toda a casa é-nos posta à disposição. Além disso mostram-se completamente disponíveis não só para nos sugerir o que visitar, como para nos ajudar com o regresso do Hugo ao aeroporto.
Um dos lemas do ‘CS’ é precisamente; ‘faz parte da criação de um mundo melhor’, e eu não encontro superior contributo, do que toda a generosidade daqueles que despretensiosamente recebem de braços abertos outros ‘CS’ em suas casas, para esse mundo melhor…

Sem comentários:

Enviar um comentário