Inaugurada em 1896 para substituir a
velha travessia em madeira, a ponte Oberbaum
tornou-se numa importante ligação entre as margens da cidade que entretanto se expande
para lá das fronteiras do Spree.
Num olhar despreocupado, surge na
união metálica entre as torres, a memória da guerra e dos conturbados tempos
que se lhe seguiram: em 1945, a Wehrmacht
fez explodir esta secção da ponte numa tentativa de travar o avanço do
Exército Vermelho, e com a divisão da cidade após o fim da guerra, a ponte torna-se
fronteira entre as áreas soviéticas e americanas – num remendo em madeira – sem
que nunca se tenha procedido à sua reconstrução.
Após a queda do Muro, uma união
metálica é então projetada por Santiago Calatrava e nela a instalação ‘Pedra-Papel-Tesoura’,
do artista Thorsten Goldberg – recordando a arbitrariedade das decisões de
imigração num constante jogo luminoso entre os dois elementos fixos em ambos os
lados da estrutura.
Descendo da estação, a East Side Gallery – a ‘maior galeria de
arte a céu-aberto do mundo’ – é uma muralha colorida, emparedando o rio ao
longo de mais de mil metros.
Iniciada em 1990, é composta por 105
pinturas de artistas de todo o mundo, de onde se destaca o trabalho de Dmitri
Vrubel.
A icónica pintura de Vrubel tem
origem na fotografia de Régis Bossu, tirada em 1979 por ocasião do 30º
aniversário da fundação da República Democrática Alemã, entre os líderes
comunistas Erich Honecker – então presidente da RDA – e Leonid Brezhnev –
presidente da União Soviética. O ‘caloroso’ beijo trocado após o discurso de
Brezhnev celebrava o acordo de dez anos estabelecido entre as duas partes meses
antes, e que previa o fornecimento de navios, maquinaria e equipamento químico
por parte da RDA, em troca de combustível e equipamento nuclear por parte da
União Soviética.
Este beijo ‘boca-a-boca’, era até
então um ritual vulgar entre ‘camaradas’ socialistas, mas Honecker e Brezhnev
parecem um pouco mais entusiasmados que o normal. Afinal de contas, Honecker
tinha muito por que gostar do seu homólogo soviético; é com o apoio de Brezhnev
que em 1971 se torna líder do Partido Socialista Alemão, e em 1976 Presidente
do Conselho de Estado da RDA.
Mas a ‘relação de amor’ entre os
dois líderes era reciproca. Na verdade, RDA e a URSS precisavam-se mutuamente;
a República Democrática Alemã tornou-se no grande defensor ideológico do
comunismo, numa altura em que este se vê sob forte desconfiança, e por seu
lado, a União Soviética garantia intervenção militar – como sucedeu em Praga,
ao abrigo do Pacto de Varsóvia – em caso de uma revolta popular cada vez mais
eminente face ao considerável número de oponentes ao regime de Honecker. Por
fim, a RDA tinha ainda fortes interesses numa eventual futura reunificação da Alemanha,
pelo que o clima apaziguado entre as duas potências transatlânticas – URSS e
EUA – era-lhes extremamente útil de seguir.
Em 2009, Dmitri Vrubel é novamente
chamado a Berlim para voltar a pintar o mural entretanto grafitado e vandalizado.
O icástico beijo volta a ser o
principal alvo das objetivas dos turistas. Um beijo típico de uma tragédia grega.
Sufocante. Um beijo onde os amantes se comprometem mutuamente, apesar de
saberem não haver qualquer futuro na sua relação. Talvez por isso – e por tudo
o mais – Vrubel tenha escrito em rodapé: ‘Deus ajuda-me a sobreviver a este
beijo mortal’.
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