Cevide!
Estamos
na ponta norte de Portugal. Depois de semanas de sol e calor, o Outono que há
dias chegou trouxe com ele a chuva, e bastou que nos fizéssemos ao caminho para
que ela nos brindasse com a sua presença, como uma lembrança subtil da
dificuldade daquilo a que nos propomos.
Ainda
colocamos as mochilas às costas, quando somos imediatamente reconhecidos por um
‘Cevidense’ que descendo à aldeia na sua scooter,
nos revela ter tomado conhecimento da nossa viagem através do facebook e que, sendo membro de um grupo
de ‘Amigos de Cevide’, nos deseja as maiores felicidades, alegrando-se com a
nossa presença naquele pequeno lugar.
Daqui
em direcção a Lamas de Mouro o caminho faz-se quase sempre a subir. Dos 15Km
até lá, apenas os últimos dois ou três são planos ou com uma ligeira inclinação
descendente. O rio Minho vai ficando para trás à medida que subimos as suas
veredas salpicadas de ramadas nestas encostas verdes que se espelham com
Espanha.
O
Sr. Manuel desce em direcção a S. Gregório no seu tractor azul. Pára à nossa
passagem e faz questão de nos cumprimentar e desejar boa sorte, referindo
ter-nos visto na televisão durante o fim-de-semana. Alguns quilómetros mais à
frente, paramos no alpendre de acesso à garagem de uma senhora que, ao nosso
pedido de água, nos refere ter pouca mas que mais adiante há uma fonte onde
podemos abastecer-nos… eu que sempre aprendi que água não se recusa a
ninguém!..
A
vida por estes lados não parece fácil. Há queixas de isolamento e as
comunicações móveis nem sequer são possíveis, pois a única rede que por aqui se
encontra é a dos vizinhos espanhóis. Ao longo da estrada, muitas são as casas
fechadas, de persianas completamente descidas e que recordam a triste sina
destas gentes obrigadas a emigrar. A população residente é idosa e dedica-se às
lides do campo, independentemente da chuva ou do frio.
São umas
seis da tarde quando chegamos a Lamas de Mouro. O parque de campismo
encontra-se encerrado à espera de um novo concessionário e só nos resta
encontrar um bom lugar para montar a tenda aproveitando as tréguas da chuva.
Trocamos de roupa no N&B – um café/snack-bar com internet, que mais parece
um oásis neste deserto verdejante – e, por indicação do guarda de serviço do
Parque (PNPG), acampamos nas traseiras do centro de apoio a visitantes.
Antes
de dormir, e ainda com alguma roupa molhada, vislumbro nos focos exteriores do
edifício, uma possibilidade de a secar; sendo embutidos e com uma reentrância
que lhe confere uma luz vertical – quase como uma caixa – coloco duas t-shirts
e umas calças sob o calor dos três focos da parede sul. Apesar da chuva intensa
que se abateu durante a noite, a roupa encontra-se seca na manhã seguinte...
A
manhã desperta ainda chuvosa, mas não temos grande alternativa; não estamos num
parque de campismo, não temos rede telefónica e ficar aqui – e nestas condições
– também não é opção.
Levantamos
acampamento e resolvemos seguir caminho. O parque de campismo mais próximo fica
a 45Km daqui e não parece haver alternativa senão fazer uma ‘pequena batota’.
Com a chuva a cair assim, teremos de apanhar boleia para chegar ao parque
quanto antes. Parece-me preferível a batota, num percurso que já efectuei a pé
anteriormente, do que uma gripe que nos pare já por completo. Não faz qualquer
sentido caminhar debaixo de chuva e não sendo possível ficar onde estamos,
seguiremos então assim mesmo.
A
primeira boleia leva-nos até à Peneda. Na margem esquerda do rio com o mesmo
nome, sob a chuva intensa que não permite sequer uma foto, o santuário, a sua
escadaria monumental e a encosta rochosa de onde jorram cascatas de água,
proporcionam um postal de inverno magnífico.
Idosas
nas suas capas de chuva guiam o gado em direcção a casa, quando o Sr. Filipe –
um ‘engenheiro dessas coisas da luz’ (ainda que não o aparente), como nos
revelam no café onde nos deixa – nos leva até Rouças, fustigados pela metralhar
da chuva impiedosa na cara, na parte de trás da sua carrinha de caixa aberta.
Um
nevoeiro persistente cobre a montanha ocultando os seus cumes. O som das
encostas é o badalar das cabras que por ali apascentam, e que formam um belo
presépio quando combinadas com pequenas casas ladeadas por um riacho, num
qualquer vale de tapete verde.
À
saída de Rouças, a Sr.ª Glória e o marido – um casal seguramente na casa dos 70
– pára para nos oferecer boleia até ao Soajo.
A
Sr.ª Glória revela – ainda que com bastante cautela, certificando-se primeiro
qual o grau de parentesco entre nós – que nos vira na televisão e que apenas
por isso parou. Ainda assim faz questão de perguntar se podem ‘fazer confiança’
em nós, pois que por estes dias não se pode confiar em ninguém…
- Fazem-me
lembrar os meus netos – diz-nos emocionada.
A
Sr.ª Glória invoca todos os santos para nossa protecção e antes de nos deixar,
faz questão de nos presentear com uma nota, que apesar da nossa constante
recusa, faz depositar na caneca que trago dependurada no exterior da mochila.
A
chuva parou e aproveitamos para retomar a caminhada.
Depois
dos espigueiros do Soajo, seguimos ao encontro do rio Lima onde, à sua passagem,
escondida pelas encostas escarpadas, nos deparamos com a velha central
hidroeléctrica do Lindoso, um edifício sóbrio e interessante, que mais parece
saído de um qualquer filme de espionagem dos anos 30 ou 40.
Voltamos
a subir. O parque de campismo já não fica longe, entalado entre os rios Tamente
e Froufe, ambos afluentes do Lima.
A
chuva volta a comtemplar-nos, o que a continuar assim, nos fará parar aqui por
mais um dia.
Depois
de um dia de descanso forçado devido à chuva, a manhã deste quarto dia desperta
animadora. À medida que vamos subindo em direcção a Germil, o sol que se apruma
vai recolhendo a sombra à nossa passagem. Um céu que se mancha de azul depois
de dias carregado de negro.
Apesar
de ainda estarmos em Setembro, por estas encostas sombrias já é comum ver-se
fumegar das chaminés destas casas que se mostram através de uma ramada que lhes
faz frente e me lembra tempos idos em casa dos meus avós.
O
silêncio destes vales escondidos entre curvas e contra curvas, é apenas cortado
pelo correr de riachos que se precipitam montanha abaixo e pelo troar dos sinos
nas aldeias vizinhas, que acompanham o passo das horas com badaladas marianas.
Na
aldeia granítica e bem preservada de Brufe, é apenas o ruído de um pequeno
regueiro que nos dá as boas vindas a esta aldeia onde apenas ilustres
personagens se parecem dirigir nos seus carros de alta cilindrada, para um
almoço no seu tão famigerado restaurante com vista sobranceira sobre o vale.
Seguimos
em direcção à barragem de Vilarinho das Furnas. A aldeia que lhe dá nome
encontra-se submersa pela albufeira desde 1971, sendo no entanto possível um
pequeno vislumbre das suas ruínas quando o caudal da mesma se encontra vazo. Uma
aldeia comunitária que remontava a tempos imemoriais e que se ‘afundou’ como
outras sob a promessa de um progresso difícil de descortinar.
Á
medida que descemos, o ziguezaguear da estrada que se prolonga e se avista do
outro lado do vale, faz-me lembrar os fjords
da Noruega, onde também, para se fazer o equivalente a um ou dois quilómetros
em linha recta, é necessário andar uma boa dezena deles. Não há renas mas há
cavalos a pastar na berma da estrada e apenas o vale não é mar…
De
Campo do Gerês seguimos em direcção à pequena aldeia da Ermida.
A
vista do alto da serra sobre a vila do Gerês é assombrosa! Pontes e rios numa
imensidão a perder de vista. A própria vila é uma viagem no tempo e no espaço,
fazendo lembrar uma qualquer estância termal alpina, com os seus chalés e
edifícios palacianos, lembrando hotéis de charme de um tempo de cartolas e
espartilhos.
À
saída da vila, a estrada que sobe até à aldeia enche-nos as narículas ora de um
odor a bosta ora de um perfume medicinal a eucalipto… Bois de longos cornos
retorcidos param espantados à nossa passagem. A estrada sobe e desce,
recordando penosamente que a pé, custa tanto uma coisa como a outra…
Chegamos
à Ermida e ao parque de Campismo do Sr. Carlos e da Dona Gracinda, que apesar
de viverem em Lisboa, descobriram na Ermida – terra natal da Dona Gracinda – o
refúgio que há muito procuravam.
A
Ermida, como nos contam, é seguramente uma das últimas aldeias comunitárias do
país. Aqui ainda se ‘convoca o povo’ para arbitrar de qualquer assunto relativo
à aldeia e que se resolve de uma só vez com quem estiver presente, sem mais
delongas ou possibilidade de contestação, qual reunião de condomínio…
Adoro
a luz do fim de tarde que se dilata para lá da sombra que me cobre nesta
esplanada com vista para a montanha, sob um céu que se limpa e que faz antever
um belo dia para amanhã…
Preparem-se que vão encontrar muito envelhecimento e desertificação. Gostei particularmente do que contas da passagem em Lamas de Mouro. Aquele café é realmente um oásis. Estive lá a consultar a internet num frio dia de Novembro, enquanto uma cadela que me seguiu 20 klms esperava por mim.
ResponderEliminarAbraço e boa continuação!
Maravilhada com a vossa descrição dessas terras que conheço bem e que gosto muito!
ResponderEliminarBoa viagem
O prazer de vos receber no Ermida Gerês Camping, foi nosso.
ResponderEliminarGrande abraço e continuação de uma excelente aventura.