África é um continente multifacetado, diverso e contrastante, onde cada fronteira é porta para uma nova e desconhecida África, e a entrada no Quénia não é excepção.
Uma África habituada a turistas de caquis, que se alojam em hotéis de cinco estrelas no interior dos parques naturais e que desconhecem por completo os perigos e as intrincadas características do norte do país, com as suas tribos e terras em disputa ou simplesmente com os receios inerentes à proximidade com a vizinha Somália. Uma África com outro tipo de infra-estruturas e com preços condizentes com essa condição de destino de safari. Uma África onde até os Massais já fazem compras no centro comercial, como pude constatar nos arredores de Mombaça
A par do Quénia, também o Uganda e a Tanzânia praticam preços exorbitantes no que toca a entradas em Reservas Naturais e similares, e à custa disso, muitos dos meus planos para esses países se alteram por ser incomportável para o meu orçamento, pagar 50 dólares por dia mesmo que seja apenas para atravessar o Serengeti…
Há quem considere haver três tipos de viajante: aquele que está constantemente preocupado com o orçamento e por isso não tira qualquer proveito das circunstancias da viagem; aquele que apesar de preocupado com o que gasta, está disponível para ajustar a sua viagem e aquilo que despende, em função do que vai encontrando e das experiências com que se depara, procurando tirar o máximo proveito dessas mesmas experiência, circunstancias e locais por onde vai passando; e aquele que não se preocupa nada com dinheiro, ou porque tem de sobra ou simplesmente porque quando acabar, acabou!..
Eu gosto de pensar e agir como quem se encontra no meio. No entanto, a minha paixão pelo mundo selvagem não é suficientemente forte que me faça entender valer a pena tal investimento. Gosto muito do mundo animal mas o que me traz aqui são as pessoas, e essas não as vou encontrar em nenhum safari.
No entanto – e depois dos dias difíceis na Etiópia – o Quénia devolve-me a alegria da ‘estrada’.
Sentado na parte de trás da pick-up, à saída de Moyale, sou interrogado pelos meus companheiros de ocasião;
- Porque é que estás a fazer isto?
- Para conhecer pessoas! Viajo para experienciar um pouco das suas vidas… tal como agora! – Respondo.
Apesar da admiração para com a minha resposta, há uma notável preocupação em me fazer sentir confortável e seguro. Após a viagem da fronteira até Wajir – e até à minha chegada a Mombaça – o condutor que me guia nesse primeiro troço, liga-me regularmente para se inteirar do meu estado e assegurar-se que cheguei sem problemas a Mombaça.
Uma diferença notória, para aquilo que havia sentido do outro lado da fronteira…
Instalo-me no hostel junto à praia, ainda um pouco longe do centro da cidade. O lugar ideal para para pôr a escrita em dia e para uns dias de descanso.
A vida no hostel é também propícia a novas amizades e num desses dias conheço Evalina, uma polaca a residir na Suécia e com uma história de vida surpreendente.
Evalina ficou órfã logo à nascença, deixada no hospital com um prognóstico de vida bastante reservado; tinha nascido apenas com metade do coração! Só uma arriscada e dispendiosa intervenção cirúrgica poderia devolver-lhe a esperança de vida, que acabaria por lhe sorrir quando um casal sueco que procurava uma criança para adoptar, a viu no hospital e se disponibilizou para financiar a operação, mesmo sabendo dos riscos inerentes.
Uma história de sobrevivência admirável, que uma vez mais faz valer a pena toda a viagem, pelo simples facto de a conhecer.
Os dias em Mombaça desenrolam-se de forma serena.
Dias que despertam quentes, a convidar a um mergulho matinal na piscina ou nas águas amenas do Índico, que se vem banhar nestas praias de areia branca onde palmeiras se debruçam preguiçosas, deixando cair os seus cocos para serem levados pelo mar e nascer noutro recanto deste paraíso tropical.
De Mombaça prossigo para a Tanzânia ao encontro de Marta, uma portuguesa a trabalhar na investigação da vacina para a Malária e que me espera em Bagamoyo.
Marta nasceu na Venezuela mas já viveu nos Estados Unidos, no Canadá, no Gana – onde fez pesquisa para o seu doutoramento – e na Alemanha, antes mesmo de se mudar para aqui.
Marta trabalha para o Instituto de Medicina Tropical de Londres num projecto de investigação que conta com o patrocínio de Bill Gates. Uma das curiosidades do seu trabalho passa por dissecar mosquitos, tendo ao seu encargo uma colónia inteira que precisa ser alimentada de sangue duas vezes por semana, sendo que num desses dias, um dos membros da equipa tem de disponibilizar o seu braço para umas quantas picadas… contudo, a vacina tem sido testada precisamente em crianças de Bagamoyo e com resultados bastante positivos – conta-me.
Quando deixo a Tanzânia, é com pena que o faço. O país parece-me extraordinário, sendo que o único problema é não ser propriamente barato…
Sendo esta uma ‘viagem de comboio’ – e há um mês que não tenho uma! – já sinto saudades do ritmo dos carris!
Depois de deixar Bagamoyo, a ideia é comprar bilhete para o ‘Kilimanjaro Express’ apenas para o final da semana e ‘esperar’ em Zanzibar até lá. O problema é que essa é uma opção cara! Cada travessia de ferry para a ilha é um dia do meu orçamento e a dormida na ilha não fica por menos do que isso, e como se não bastasse, neste momento o orçamento já não é o que era...
Assim sendo, nada melhor do que voltar rapidamente aos carris ligando Dar es Salaam a Livingstone, na confluência das fronteiras da Zâmbia, Botswana, Zimbabué e – ainda que um pouco mais distante – da Namíbia, onde o Zambeze – um dos maiores rios de África – tropeça de uma altura de cerca de 120 metros, proporcionando um dos mais belos postais de África.
Em contrapartida fica a promessa pessoal de regressar à Tanzânia para uma visita completa, que obrigatoriamente terá de incluir Zanzibar, o ferry no Tanganica – que tem uma história fantástica com mais de 70 anos e dois ‘resgates’ ao fundo do lago! – e o comboio que liga Dar até à confluência do Tanganica e do lago Vitoria.
África apega-se!
De todas as doenças endémicas e tropicais do continente, uma outra sem cura será certamente a paixão por esta terra e por esta gente. Ao princípio estranha-se, mas rapidamente se entranha sem que pareça haver grande remédio que não seja simplesmente cá voltar…
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