Chego à Zâmbia, uma semana após a
conquista da primeira Taça das Confederações Africanas de futebol da sua história,
e os ecos de festejo ainda ressoam pelas ruas de Lusaka, onde se podem
encontrar vendedores de fotografias desse épico embate frente à Costa do Marfim
de Drogba e companhia, e onde se lê nos jornais, que prostitutas ofereceram
serviços gratuitos em celebração de tamanho triunfo… no autocarro que me leva a
Livingstone, assisto à reposição do jogo, que mesmo assim não parece elevar
sobremaneira a moral desta nação que tem a mais baixa esperança media de vida
de todo o continente – a rondar os 45 anos.
Todo o caminho é feito através de um
verde luxuriante, lembrando que 42% do país é área protegida. A chuva – como aconteceu
todo o tempo que aqui estive – marca presença assídua nem que seja por um breve
período de tempo, recordando a nossa posição geográfica e anunciando a chegada
da época das chuvas que arrefecem estes dias quentes e húmidos, neste cenário tropical.
As Cataratas Vitória são um dos mais
belos postais de África e muito da minha ‘flexão’ a oeste – nesta rota ‘norte-sul’
que bem poderia ter seguido a direito por Moçambique – a elas se deve, bem como
à ponte rodo-ferroviária que as percorre – ponte fronteiriça com o vizinho Zimbabué
sobre o rio Zambeze – presente desde sempre no meu imaginário ferroviário.
A
ponte fazia parte do auspicioso projecto de construção de uma ligação ferroviária
ininterrupta entre a Cidade do Cabo e o Cairo que (infelizmente!) nunca se
chegou a materializar, mas foi a sua construção em 1904 que trouxe a
Livingstone a prosperidade que hoje aufere, depois de ter herdado o nome do
primeiro europeu a ter o privilégio de contemplar as suas cataratas – o missionário
e explorador escocês, David Livingstone.
As cataratas em si, são uma espécie de
organismo vivo e em constante transformação devido ao desabamento de secções do
leito do rio, causados pela força das águas, como é explicado na breve
exposição à entrada para as mesmas.
Não tendo sido o caso, imagino todo
aquele turbilhão de água que se espalha pelo ar como ‘chuva fraca’ que se
transforma em aguaceiro à medida que nos aproximamos da linha da frente, como o
melhor remédio numa manhã de ressaca. Arco-íris múltiplos criados por um mar de
água que se abate sobre nós ao longo de todo o percurso como um verdadeiro
chuveiro, e que se intensifica em Março com a chegada da época das chuvas.
Uma das estórias que se ouve por aqui, é
que a subida do caudal do rio é de tal forma repentino e elevado, que muitas
vezes os animais – mesmo os de grande porte como elefantes ou hipopótamos – são
apanhados de surpresa e não conseguem evitar ser levados pela corrente,
despenhando-se de um altura de mais de 120 metros…
Livingstone é definitivamente o princípio
do fim. O ponto em que deixo de sentir estar em viagem, para mais parecer –
como todo o desconforto inerente… – que estou de ferias… O hostel onde me encontro está repleto de ocidentais que vêm em busca
de aventura e diversão – muitos deles apenas de passagem – vindos da não muito
distante África do Sul ou mais perto ainda, da Namíbia (outro dos destinos ‘radicais’
muito procurados por estes dias).
Seja como for, nem todos estão aqui com
os mesmos propósitos. Steven é holandês e encontra-se em trabalho junto das
comunidades locais, ajudando a criar os alicerces para um desenvolvimento local
sustentável. Além disso, é também um apaixonado pelas viagens e a sua fácil comunicação
e a partilha de opiniões torna-nos quase uma referência mútua no que às viagens
diz respeito.
Steven confessa-me ter um projecto para
uma viagem de bicicleta entre a Holanda e o Nepal para levar óculos de sol a
uma comunidade nos Himalaias que – viu num documentário – sofre com a exposição
a elevados níveis de radiação solar devido à altitude, o que leva em muitos
casos, à cegueira. Steven pretende conseguir o apoio de fabricantes de óculos de
sol que, por cada quilómetro percorrido, lhe ofereça um par de óculos para que
depois os possa doar. Um projecto incrível e inspirador!..
Mas Steven é também um aficionado dos
caminhos-de-ferro. Num desses dias, combinamos visitar juntos o museu ferroviário
local e dirigimo-nos para lá a pé através da linha. Na estação há movimento de
comboios. Locomotivas avançam e recuam para formar uma composição de mercadorias
e depois de alguns pedidos, temos autorização para subir à cabine do maquinista.
Parecemos duas crianças num parque de diversões! Pendurados sobre o nariz da
locomotiva ou conversando com o maquinista que nos confessa que as condições de
trabalho eram melhores quando a companhia pertencia ao estado, vamos juntando vagões
de mercadorias num vai e vem que mais parece uma espécie de videojogo.
A noite cai quando finalmente deixamos a
nossa ‘feira popular’ e a visita ao museu perdeu-se com o nosso atraso,
restando apenas voltar ao hostel com
a sensação de uma tarde bem passada.
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